A imprensa e o caso do presidente da Câmara que não acredita que houve tentativa de golpe – por Carlos Wagner
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Eu me lembro bem. Lá no final da década de 70, quando iniciei a carreira de repórter, ouvi de um colega um desabafo na mesa de um boteco. Eu era jovem, cabeludo, arrogante e cheio de ideias. O colega disse que sermos jovens não significa que somos inovadores. E que a velhice não nos torna sábios. Mas o que nos torna relevantes é o trabalho e a dedicação diária à nossa profissão. Lembrei-me deste episódio por conta da fala do recém-eleito presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos), 35 anos. Ele disse textualmente, sobre o episódio de 8 de janeiro de 2023: “Dizer que foi golpe? Golpe tem que ter líder”. Naquela ocasião, seguidores do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, invadiram e quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto e nos prédios do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional, localizados na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF).
Os brasileiros e a imprensa sabem o que é um golpe de Estado. Alguém precisa convidar o jovem deputado para ir ao cinema assistir ao filme Ainda Estou Aqui. É a síntese do trauma deixado na sociedade brasileira pelo golpe militar que em 1964 derrubou o presidente João Goulart, o Jango, um gaúcho de São Borja, do antigo PTB. A ditadura durou até 1985, quando o país se democratizou. O filme conta a história real do deputado federal Rubens Paiva, do PTB. Cassado pelos militares logo após o golpe, ele foi preso em janeiro de 1971 e desapareceu. Era casado com Eunice e o casal teve cinco filhos, um deles, Marcelo Rubens Paiva, 65 anos, jornalista e dramaturgo, autor do livro Ainda Estou Aqui, transformado em filme pelo cineasta Walter Salles, 68 anos. O filme e a atriz Fernanda Torres, 59 anos, que faz o papel de Eunice, já ganharam vários prêmios e são candidatos ao Oscar, prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Los Angeles, Estados Unidos. A premiação vai ser transmitida ao vivo no dia 2 de março. Caso o presidente da Câmara não tenha agenda para assistir ao filme, de 2 horas e 25 minutos de duração, ele pode fazer uma ligação telefônica e falar com a família do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975 nas dependências do Doi-Codi, em São Paulo. Um dos órgãos de repressão do regime, o Doi-Codi atuava no combate aos “inimigos internos” da ditadura. Já ouvi a história contada pela viúva do jornalista, Clarice Herzog, 83 anos. A investigação rigorosa e a punição dos culpados pelo 8 de janeiro de 2023 são uma garantia de que dramas como o do deputado Paiva e do jornalista Herzog nunca mais se repetirão no Brasil. Há uma investigação da Polícia Federal (PF), que já soma mais de mil páginas, que relacionam Bolsonaro, o general da reserva Walter Braga Netto, 67 anos, ex-ministro da Defesa, e outros com a tentativa de golpe. Braga Netto é forte candidato a ser o primeiro general brasileiro de quatro estrelas a ser preso por tentativa de golpe de estado. Os militares que tomaram o governo pela força em 1964 saíram “de fininho, pela porta dos fundos do poder”. Sem serem responsabilizados pela Justiça pelas mortes de presos políticos e pela baderna administrativa em que deixaram o país.
O8 de janeiro faz parte de uma série de atos que foram investigados no inquérito da PF, entre eles uma tentativa de explodir uma bomba em um caminhão-tanque com 60 mil litros de combustível de avião estacionado no Aeroporto Internacional de Brasília. Os responsáveis por esses atos estão sendo processados e alguns deles, em torno de 500, já estão cumprindo pena. Entendo que a afirmação feita pelo presidente da Câmara é política. Afinal, ele foi eleito por um acordo entre a oposição e a situação. Ainda está se equilibrando no cargo. É do jogo. O que não é do jogo é a falta de firmeza da imprensa em relação às declarações de Motta. O que se publicou não levou em conta que se passaram 40 anos desde o término do regime militar. Sempre é bom atiçar a memória das pessoas.
Claro, não temos como atiçar a memória do leitor publicando um tratado anexo a cada notícia. Mas podemos inserir uma frase no meio do texto que ajudará a esclarecê-lo sobre o que aconteceu. Está tramitando na Câmara dos Deputados um projeto de anistia aos participantes da tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Bolsonaro afirmou que o presidente da Câmara deverá colocá-lo em votação – há farto material sobre o assunto disponível na internet. Lembro que a extrema direita brasileira aposta que a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 78 anos, de anistiar os invasores do Capitólio (Congresso), em Washington, em 6 de janeiro de 2021, vai influenciar o destino do projeto de anistia para os invasores do 8 de janeiro. Essa história ainda vai longe. Lembro que 2026 é um ano eleitoral. E toda a atenção da extrema direita do Brasil estará concentrada em tentar derrubar a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que tornou Bolsonaro inelegível até 2030. Especialistas afirmam que essa possibilidade é mínima. O fato é o seguinte. Enquanto a questão da inelegibilidade de Bolsonaro não se decidir, o processo de escolha de um candidato da direita ficará parado. Muitos pretendentes estão à espera de uma decisão do ex-presidente, como os governadores Ronaldo Caiado (União Brasil), 75 anos, de Goiás, e Tarcísio de Freitas (Republicanos), 49 anos, de São Paulo, entres outros. Mas nenhum desses candidatos a candidato tem a popularidade do ex-presidente. Isto é um fato. Além da questão do TSE, Bolsonaro responde a mais de 300 processos na Justiça. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, deverá concorrer à reeleição.
Aindefinição de quem será o candidato da direita beneficia Lula? O tempo responderá a esta pergunta. O que podemos afirmar é que a indefinição mantém o nome de Bolsonaro nas manchetes dos jornais. Acompanhado da especulação de que ele indicará quem vai concorrer, caso não consiga derrubar a decisão do TSE. Tenho afirmado que a corrida eleitoral de 2026 começou no dia seguinte ao término do segundo turno das eleições municipais do ano passado. Sempre foi assim. Faz parte da democracia. Durante a ditadura militar, as páginas de política nos jornais eram preenchidas com especulações sobre os amigos dos generais que tinham chance de ser indicados para governador, prefeitos e senadores biônicos – como foram apelidados os senadores escolhidos pelos militares sem serem eleitos pelo voto popular. Foram anos de muito sofrimento que nós jornalistas não podemos deixar cair no esquecimento.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 74 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
Resumo da opera. Não adianta o BC aumentar os juros e o Rato Rouco ficar gastando como um louco, aumentando a divida e anunciando credito subsidiado. Os mesmos que defendiam subsitituir o crescimento do PIB por algum outro indice qualquer agora querem vender a ideia de que só o PIB interessa. Não precisa ser um genio para ver que vai dar m.
Antigamente a imprensa legada e os vermelhos não só diziam para a população o que era importante, mas também o juizo de valor que deveria fazer sobre o que era divulgado. Este tempo passou.
População, a que não está com a vida ganha, presta pouca atenção no que acontece no Congresso. Até a reforma tributaria que vai aumentar a carga passou sem muito barulho. Negocio é a conta do supermercado, o preço da gasolina, etc.
‘Os brasileiros e a imprensa sabem o que é um golpe de Estado. Alguém precisa convidar o jovem deputado para ir ao cinema assistir ao filme Ainda Estou Aqui. É a síntese do trauma deixado na sociedade brasileira pelo golpe militar […]’. Para angustia dos vermelhos maioria está cagando para o filme. E para o que aconteceu há mais de 50 anos atras.