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A trajetória do Doutor Sócrates, militante do esporte. E da democracia – por Anderson Santos, Dijair Brilhantes & Bruno Lima Rocha

Coluna Além das 4 linhas –  edição da semana de 6 de dezembro de 2011 – por Anderson Santos (editor), Dijair Brilhantes & Bruno Lima Rocha

A DIFÍCIL MISSÃO DE FALAR SOBRE SÓCRATES

A dificuldade de escrever esta coluna não está ligada às trapaças feitas por cartolas do futebol brasileiro, algo que para nós já se tornou rotineiro. A morte de Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira fez com que os articulistas da Além das Quatro Linhas mudassem o tema da coluna desta semana na última hora.

Independente dos times que o Magrão jogou, ou até mesmo o que ele amou, nesse caso o Corinthians, Dr. Sócrates foi uma referência em campo pelo seu calcanhar mágico, mas principalmente fora dele por sua capacidade intelectual, que o levou a se formar em Medicina pela Universidade de São Paulo (campus de Ribeirão Preto). Além das quatro linhas foi um verdadeiro militante, um dos responsáveis pela Democracia Corintiana, uma proposta raríssima para aquelas bandas e ainda mais nos dias atuais.

A TRAJETÓRIA

No início dos anos 70, Sócrates começa a treinar no Botafogo de Ribeirão Preto, dividindo o tempo entre o clube e a faculdade de Medicina. Marcou sua passagem pelo clube do interior sendo artilheiro do Paulistão em 1976. Em 1978, transferiu-se para o Corinthians. Ao lado de Palhinha, Casagrande, Wladimir e Biro-Biro começou a surgir uma forte equipe que chegaria ao auge nos anos 80. Naquele time, ganhariam o bi-campeonato paulista de 1982-1983, parando a Máquina Tricolor, que tinha craques como Zé Sérgio no ataque e Renato Pé Murcho (ex-bugrino) no meio.

Em 1982, surgiu o que até hoje podemos chamar de um dos maiores movimentos democráticos da história do futebol brasileiro, a democracia corintiana. Sócrates exerceu sua liderança também como fruto do tempo que vivera, de abertura política e marcadas lutas sindicais por todo o Brasil.. O futebol era (e é) ainda habitado pelos chamados resquícios do entulho autoritário e contra estes o ex-estudante de Medicina se insurgira.

O “Magrão”, como era chamado por conta do seu 1,91m de altura, sem qualquer característica de jogador de futebol, sempre foi um líder instruído e bem articulado. Esta liderança fez com que o Corinthians passasse a adotar um sistema democrático. Jogadores e diretores tinham peso de voto igual para tomar as decisões que mudariam o rumo do clube e do time dentro de campo, de contratações a aumento salarial. Nascia a chamada “Democracia Corintiana”.

O Brasil ainda vivia a ditadura militar (nos seus estertores, governo João Figueiredo, e ainda à época com Golbery e Delfim em ministérios), a democracia não era bem vista no país. O time corintiano deu exemplo de como o sistema democrático poderia funcionar. O time entrava em campo com mensagens políticas nas camisas, além de um constante apoio nas passeatas do movimento das “Diretas Já”, que quase levou às eleições diretas a presidência do Brasil.

Sócrates foi um dos principais entusiastas do movimento e, dada a negativa do Congresso Nacional (em 1984, com a ditadura ganhando no voto dentro do Congresso), optou por deixar o país e atuar na italiana Fiorentina.

COPAS DE 1982 E 1986

A Copa do Mundo de 1982 ficou marcada para os brasileiros pelo grande time que acabou não vencendo. Esta geração do início dos anos 80 foi uma das mais talentosas do futebol. Ao lado de Toninho Cerezo, Paulo Roberto Falcão, Zico, Éder, Júnior, Leandro, Luizinho, Oscar e Batista, Sócrates fez parte de um meio campo inesquecível, de toques rápidos e envolventes. Após ser eliminado pela Itália no mundial de 82, ele declarou que foram os 30 dias mais perdidos de sua vida.

Na Copa seguinte, em 1986, o doutor e sua geração não eram mais os mesmos. Telê estava de volta, mas o encanto passara. Vivia-se a censura da palavra imposta pela direção de Otávio Pantera Cor de Rosa Pinto Guimarães e o mui nobre e ilibado Nabi Abi Chedid. O Magrão perdeu um dos pênaltis na fase de quartas de final e assim ficou marcado. Foi a última aparição de Sócrates com a camisa amarela. Mas sua classe nunca foi esquecida.

Seus últimos anos no futebol não tiveram o mesmo brilho. Sócrates teve problemas de relacionamento com seus companheiros de clube. Alguns chegaram a dizer que ele suspeitava da manipulação de resultados com participação de alguns de seus companheiros. O Doutor ainda voltou ao Brasil para atuar no Santos e no Flamengo. Justiça seja feita, no time da Vila, só o consórcio Luqui Bandeirantes se entusiasmou. Já no time de Zico, passou correndo sem deixar lembranças. Sem o mesmo brilho das atuações de anos anteriores, o Magrão optou pela aposentadoria em 1989, onde tudo começou, no Botafogo de Ribeirão Preto.

NENHUMA LIGAÇÃO COM AS PESSOAS DO TIME ATUAL

O Corinthians conquistou no final de semana o seu quinto título brasileiro. Óbvio que pulularam matérias ligando o grande Sócrates a este Corinthians campeão nacional, mas que em sua gestão atual nada representa o Magrão. As glórias e os títulos, sim, como bem provou a torcida ao homenageá-lo com o braço erguido no minuto de silêncio antes do jogo contra o Palmeiras.

A CBF está se brindando. Após muitas ameaças contra Ricardo Teixeira, o “dono” da entidade foi “obrigado” a distribuir o poder entre seus aliados mais recentes, todos eles vindo do Sport Club Corinthians Paulista – quem diria, logo de quem, dos mosqueteiros do povo, malditos como “gambás” pelas torcidas rivais. A cada dia, o Corinthians mais se assemelha ao Boca Juniors, dentro e fora das quatro linhas. No segundo aspecto, a frase acima não é nenhum elogio.

Voltando às manobras do Imperador Teixeira, primeiro, Andrés Sanchez, que sempre disse que não tinha interesse em comandar a CBF deu o primeiro passo para isso, ao assumir como diretor de seleções a partir de 2012, assim que sair da presidência do Corinthians.

A última cartada veio na última semana. Ronaldo Nazário de Lima foi escolhido para assumir a direção do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo. O Fenômeno terá a missão de aproximar pessoas (ou será tirar de cena Ricardo Teixeira antes que seja tarde?) já que a presidenta Dilma Rousseff demonstra total descontentamento com o presidente da CBF.

Ao anunciar Ronaldo, Teixeira disse que é hora da conciliação para podermos realizar a melhor e mais bela Copa de todos os tempos. O presidente corintiano voltou a fazer elogios ao R-Marketing-9 que, segundo ele, tudo o que toca vira ouro e, nesse caso, não será diferente (será?).

Ronaldo, o que confundiu André Luiz com Andréia (estava escuro e ele bêbado, segundo declarações oficiais….), faz tudo por dentro e com rubrica, sob o amparo de uma transnacional de marketing, relações-públicas e assessoria de comunicação e eventos. Não queima o filme dos sofredores como Kia Joorabchian do sultanato de Dualib, mas se batesse de frente com um grupo furioso de procuradores, talvez desguiasse, pulando da jangada, deixando “seu amigo” Andrés sozinho entre tubarões.

Romário já deu a dica ao ex-companheiro de ataque da Seleção. Se ele não quiser queimar sua imagem, basta realizar uma auditoria assim que assumir.

“NUNCA SERÃO”

Frase famosa do filme Tropa de Elite 1, repetida pelo lutador Anderson Silva no UFC-Rio 2011, encaixa-se como uma luva para Ronaldo e Andrés Sánchez. O Fenômeno foi genial dentro de campo, mas fora dele não podemos dizer o mesmo.

O presidente do Corinthians também pode ser considerado um gênio na arte de conquistar aliados e, indiscutivelmente, em termos de resultados, saindo no auge, com o título brasileiro. Os maiores exemplos de “amigos” são Ricardo Teixeira, Ronaldo e a alta cúpula da Rede Globo, a quem ele se referiu como gângster no início do ano. Ah, como já dissemos várias vezes, Andrés é sincero, muito sincero!

A relação de Sócrates com o presidente do Corinthians era conturbada. O doutor sempre deixou claro que não concordava com a administração de Sanchez. Meses atrás, Sócrates negou o convite para por os pés na calçada da fama do clube do Parque São Jorge. Não queria ser visto ao lado de Andrés.

FUTEBOL PARA ALÉM DAS QUATRO LINHAS

Fora de campo, Sócrates foi o que Ronaldo não é, e talvez nunca seja. Um lutador contra tudo que há de ruim no futebol, um claro exemplo que nos inspira a escrever e seguir com uma coluna com a perspectiva que nós temos.

Num mundo em que a criticidade é cada vez mais exceção, isso é visto por nós como uma dádiva. Nos campos futebolísticos, então, é uma imensa exceção, e isso juntando jogadores, comissões técnicas, dirigentes e jornalistas esportivos.

Escrever futebol “além das quatro linhas” é mais que o simples ato de preencher linhas ou pixels, é vivê-lo sob os diversos matizes proporcionados por este esporte, entendendo por que fazem o que fazem com a nossa paixão; racionalizando o máximo possível sobre algo que muitas vezes é irracional, explicando as relações de poder sobre, mas nunca esquecendo do amor em torno do assunto. Sócrates reflete isso.

TRÊS NOTAS PARA NÃO DEIXAR PASSAR

Nota de epílogo, primeira parte:

O S.C. Corinthians Paulista é muito maior do que a vivacidade de seus dirigentes e os diretores da Gaviões, torcida-empresa. Mas, na medida em que estas duas estruturas de poder – cartolagem e torcedores profissionais – vão tomando conta do espetáculo e marketizando o “ser curíntia” como um clichê de anúncio mal feito, a tendência é a fusão de imagens. Depois, para retirar um de dentro do outro, fica muito difícil.. O melhor exemplo é o C.R. Vasco da Gama, vice-campeão do Brasileiro 2011 e uma agremiação que deu a volta por cima. Para tanto, tiveram de “desEuricar”, embora escorando-se no ex-deputado estadual tucano Roberto Dinamite. Ainda dá tempo para a Fiel Torcida, mas tudo se encaminha para um processo à la Boca Jrs. Pré, durante e após Mauricio Macri. Cuidado!

Nota de epílogo, segunda parte:

Alô Pica-Pau, brioso informante e notório comentarista desta modesta coluna. Por favor, manda informações, tudo o que vier nós checaremos e vamos publicar, doa a quem doer. Pica-Pau, correio eletrônico também funciona….aquele abraço e bola prá frente.

Nota de epílogo, terceira parte:

Para a massa Xavante da Princesa do Sul. Valeu pelo retorno e a repercussão. Ou as mais de 24 micro-regiões do Rio Grande se unem e organizam uma defesa de suas expressões culturais, como os clássicos citadinos por exemplo, ou tudo vira pó sob a pressão da grenalização do futebol e a peleia selvagem pela audiência das rádios generalistas de Porto Alegre. Contem com a gente.

QUEM ESCREVE:

Anderson Santos é jornalista e mestrando em comunicação social na Unisinos ([email protected]), Dijair Brilhantes ([email protected]) é estudante de jornalismo & Bruno Lima Rocha ([email protected]) é editor do portal Estratégia & Análise (www.estrategiaeanalise.com.br).

Twitter da coluna: @alem_das4linhas

 

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