Um texto bastante interessante – e que merece uma reflexão, por certo, ainda que se possa discordar (ou concordar) no todo ou em parte – foi enviado ao sítio. Os autores são colaboradores eventuais do sítio. A seguir:
“Que culpa tenho eu
Por Suze Scalcon e Luiz Carlos Rosa (*)
Que culpa tenho eu do como vivem aqueles na Vila Bilibio, no Beco do Beijo, nas margens do Cadena, no Complexo do Alemão, no sertão nordestino, no Haiti e na Etiópia? Que culpa tenho eu do 11 de setembro, da Chacina da Candelária, do deslizamento do Morro dos Macacos, do Tsunami no Japão e da pior seca enfrentada pelo Chifre da África? Que culpa tenho da pedofilia que aterroriza pais, aliado ao tráfico de crianças, de órgãos e de seres humanos?
Que culpa tenho da existência das Mães da Praça de Maio, das ações de grupos terroristas espalhados por todos os continentes, do narcotráfico, do comercio ilegal de madeira e de animais nativos? Que culpa tenho das ações do MTS e de organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC)? Que culpa tenho eu de um Nardone que, pior do que defenestrar a pequena Isabella recebe o apoio incondicional da família?
Que culpa tenho do poder das mídias que corrompem nossos filhos com convites sedutores e promessas inescrupulosas ao consumo e a um estilo de vida medíocre? Que culpa tenho eu do apelo ao exercício da sexualidade cada vez mais cedo, operado por canções que, ao insistirem na promoção da mulher à condição de objeto, perfilam a dignidade pessoal como mero valor de troca? Que culpa se há de ter pela humilhação e condição deplorável por que passam aqueles que sobrevivem da cata de migalhas de banquetes de outros e, dos que vivem do Bolsa Família, Bolsa Escola, do Vale Gás e cuja fome nunca zera? Que culpa tenho de que coexistam uns menos afortunados cujo destino não lhes contemplou com comida e habitação seguras?
Entretanto, porque em nada se opõem a este estado de coisas, homens – doutos, acadêmicos, membros de instâncias nobres como aquelas que “aconselham”; homens dedicados ao domínio científico dos meandros de glebas, das letras vernáculas, do complexo sistema social, da história da humanidade, da matéria e suas transformações… – se tornam cúmplices. Cúmplices porque – em estado patético de externada ignorância diante das crueldades promovidas pelo único responsável; o senhor capital – tratam-se de uns que, mesmo ao teimarem em negar a escolha única por si mesmos, por seus interesses pessoais e privados, se eximem do reconhecimento do verdadeiro causador de tantas atrocidades.
Por quê? Porque o modo como os homens se organizam em sociedade hegemonicamente, ao fundar-se na economia política capitalista – que preconiza a proteção do indivíduo pela lei daquilo que lhe é privado – lhes favorece. Na vida social egoísta, lá se vão milhões de homens, carreados pelos ditames do mercado, conduzidos, empurrados e manipulados. E lá se vão… não só de propriedades materiais alienadas à propriedades materiais alienadas, também homens instruídos, de razão em razão, de alma em alma em puro estado de ignorância, se vão. E assim caminha a humanidade.”
(*) Ambos são professores do Departamento de Metodologia do Ensino na UFSM.
Maravilhoso! Parabéns aos autores pela excelente reflexão…