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A cultura de pratos vazios – por Atílio Alencar

Causou estranheza entre artistas e agentes culturais de Santa Maria a notícia da aquisição, por parte da prefeitura de Santa Maria, de um prédio histórico na Vila Belga, com a suposta intenção de transformar o imóvel em um ‘centro cultural’. Além de estranheza, uma certa desconfiança também: se os aparelhos culturais da cidade encontram-se num estado de melancólico sucateamento, porque ao invés de projetar novos espaços não se investe primeiro na recuperação e conclusão dos projetos já tão alardeados pela atual administração?

Desconfiança maior ainda resultou da informação contida na mesma notícia: o plano da prefeitura seria, num futuro próximo, fazer da Vila Belga a sede de um conjunto de empreendimentos culturais e gastronômicos.

A ideia, convenhamos, não é má. Mas surgida assim como um coelho da cartola, parece mais um decreto caprichoso do que o produto de um mapeamento sensível das carências do cenário local.

Justifica-se, de fato, tanto o estranhamento quanto a desconfiança, se recapitularmos rapidamente o que vem sendo feito em termos de investimentos públicos para a cultura pela atual administração: o orçamento para a pasta da cultura segue estagnado num nível vergonhoso; a LIC Municipal carece de profundas reestruturações para livrar artistas e pequenos produtores da lógica do tráfico de influências entre empresários e grandes produtoras; a implementação do Fundo de Cultura é empurrado com a barriga ano após ano; espaços importantes como o Bombril, a Concha Acústica, a Casa de Cultura e a Gare estão abandonados ou em pleno processo de decadência; não há políticas públicas voltadas para a cultura nas periferias – tudo isso enquanto os grandes eventos co-produzidos pela prefeitura, como a Tertúlia, gozam de ótimas garantias.

Para completar o quadro de total descrédito da gestão Schirmer na área da cultura, há poucas semanas vivenciamos o esforço gigantesco que os dois grupos que administram o Espaço Cultural Victorio Faccin – o TUI e o Teatro Por Que Não? – mobilizaram para garantir, através de uma campanha de financiamento colaborativo, as reformas necessárias para manter o lugar na ativa. Um espaço popular com décadas de história enfrentou a ameaça de chegar ao fim, sem que a prefeitura tenha movido um único fio de cabelo para auxiliar na solução.

Claro, falando assim, parece que a cultura de Santa Maria agoniza, o que não é verdade. Mas só não é verdade porque há coragem, mutirão, criatividade e fôlego inesgotáveis de quem trabalha com arte e cultura na cidade. Dependêssemos de alguma boa vontade ou cuidado por parte dos órgãos ditos promotores da cultura daqui, haveria apenas meia-dúzia de iniciativas, todas esbanjando o leite das tetas oficiais, mas carentes de consistência e vínculo real com o trabalho cotidiano que dá forma ao mosaico de expressões locais.

É na base da luta que grupos e espaços como o Museu Comunitário Treze de Maio e o Espaço Cultural Victorio Faccin sobrevivem como células pulsantes da cultura de Santa Maria; assim como outros que, infelizmente, não parecem merecer a simpatia dos gabinetes municipais.

Sendo assim, por mais bem-intencionada que seja a ação da prefeitura ao anunciar o primeiro passo da estruturação de uma vila cultural, talvez seja o caso de lembrarmos ao senhor prefeito e correligionários que o buraco é um pouco mais embaixo.

Adquirir imóveis para um projeto que cheira ao velho esquema vertical, enquanto o mofo cobre a ausência de tantos espaços em situação precária, está mais para fabricar cartões postais fictícios do que investimento real na cultura de Santa Maria.

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