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Ainda não está escuro – por Márcio Grings

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Nuvens escuras promovem estranhos desenhos no céu. Gigantescas sombras que vão obstruindo o sol.

Movimentações na abóbada celeste aconteceram durante todo o dia, fazendo-o lembrar de um poema de Maiakowski. Aquele que fala de visões de bichos em nuvens, lembra?

Muito calor. Dentro de casa está ainda mais quente. Deita nos lençóis e fica com a impressão que a cama está pegando fogo. Sua alma, visivelmente atormentada, frita e se retorce dentro do esqueleto. Existem algumas cicatrizes que nunca foram sanadas. E não há sol que recupere o viço desse espírito cansado. Tudo pesa como aço. Há algo dentro dele que parece pedir mais espaço, como um monstro adormecido, prestes a devorá-lo. Respiração que não flui normalmente…

Ainda não escureceu totalmente, mas logo, logo, vai escurecer.

Seu senso de humanidade foi pro saco faz tempo. Como um corpo jogado num riacho imundo. Atrás de cada toque de beleza, sempre existe algum tipo de dor. Lembra-se do último e-mail que recebeu. Havia gentileza e revelações. Ele conseguiu perceber sinceridade em cada frase escrita ali. Fica transtornado por não se importar tanto com o dano promovido. Apesar de ter culpa no cartório, a consciência ainda está limpa. Dá pra entender?

Ele esteve na capital e deu uma esticadinha até o litoral. Sentiu medo quando ouviu o barulho do mar. Ele sabe que não é fácil estar na pele de alguém emaranhado numa teia de enganos. Está muito claro, não mais procura perdão nos olhos de alguém, mas pode acreditar: diversas vezes fica com a sensação que o fardo é insuportável.

Ainda não está escuro, mas logo, logo, as coisas podem ficar ainda pior.

Ele é um homem cansado. Nascer e morrer em Santa Maria, contra a sua vontade, provavelmente seja esse seu destino. Apesar da contínua sensação de movimento, ele não sai do lugar. Quanto ao corpo, cada nervo e músculo não respondem da mesma forma dos últimos anos. Nem se lembra do que mesmo estava fugindo quando voltou pra casa. Nem sequer ouve o murmúrio de uma oração.

Ainda não está escuro, mas pode acreditar, em breve a noite pode tomar conta de sua alma.

Escrito em janeiro de 2013, e desde então, engavetado. Texto baseado na história contida em “Not Dark Yet”, canção de Bob Dylan lançada no álbum “Time Out of Mind” (1997).

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