As linhas da lealdade – por Bibiano Girard

#

Andamos de olhos baixos, ultimamente, a capitar as mensagens incontáveis, a ler preços de mercadorias pelas vitrines, a respeitar sinaleiras e convenções sociais. Mas a cidade ainda suspira e envia recados. Ela existe como ser em si, como projeto pensado, além de ser a confluência das várias interpretações sobre o que representa a idade de cidade. Ela tem linhas. Para cima, para o lado, na diagonal, um nível acima, entre janelas etc. E são tão belas as linhas.

É interessante revelar o não explícito que nos acomete: vivemos entre montanhas corroídas, de verde redondo e aflorado, mas aqui embaixo nossos olhos tentam avisar que não estamos nas montanhas: somos retos, diretos, pragmáticos. E também bonitos. Sabemos recriar a paisagem, delineá-la da forma que acharmos interessante.

Um dia desses perambulava pela Universidade Federal de Santa Maria. Ao longe, os morros do bairro Camobi embaixo de chuva convidavam para uma fotografia. Tirei a câmera da mochila, foquei ao fundo, avistei um avião que descia. Mas nem a lente nem a retina de meus olhos haviam focado no traço tão e qual admirável que se formava ali, a poucos metros.

É uma biblioteca, avisaram-me. E então eu desisti da câmera. Fiquei alguns segundos a subir e descer, não mais as montanhas, mas aquele negócio meio barco, meio nave espacial que subia. Branca, de encontro ao sol. Envidraçada, aberta e pulmonar.

Lembrei que era uma biblioteca. Não sei se essa foi a ideia de quem projetou. Mas eu pensei que nada melhor do que isso: um espaço onde os livros vão enxergar para fora.