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Boca de urna – por Orlando Fonseca

Houve um tempo, nas eleições nacionais, que a urna, literalmente, tinha uma boca. Tratava-se de uma fenda, no alto de um saco de lona, por onde se inseria o papel impresso em que se assinalava, com um x, o nome do candidato escolhido. Era assim o voto, o que obrigava mesários e presidentes de mesa a conferir, uma por uma, as papeletas com a vontade popular. Era o tal do escrutínio, feito manualmente, sob os olhares de fiscais, jornalistas e curiosos em geral. E isso podia levar dias, e até semanas, para chegar a um resultado. Uma verdadeira muvuca, e no meio de tal barulho, era preciso ouvir o que a “boca de urna” tinha a dizer. Tirando o aspecto romântico dos fatos, não há dúvida de que o sinal sonoro da urna eletrônica fala muito mais bonito, sintetizando o percurso que a digitação percorre até o anúncio dos vencedores.

Dessa denominação é que surgiram, por substituição metonímica, eventos relacionados aos acontecimentos da votação. Por exemplo, fazer campanha no dia da eleição, tentando convencer os ainda indecisos, ou desatentos, para o sufrágio em correligionários. A isso se dava – e ainda se dá – a designação de “fazer boca-de-urna”, o que é proibido pela legislação eleitoral. Ora, se alguém não se decidiu até o momento de votar, não merece que seja lembrado de algo. Assim como, quem não conseguiu convencer seu eleitorado até aquele preciso momento, também não merece tentar fazê-lo em cima da hora.

Por outro lado, as pesquisas realizadas por Institutos especializados, logo após a votação, passou a se chamar de “pesquisa de boca-de-urna”. Ao contrário das que se realizaram ao longo do período da propaganda, esta pretende definir com antecipação o que as urnas diriam logo em seguida. Hoje em dia, tal a celeridade das apurações, feitas através das urnas eletrônicas, a fala da urna quase que torna desnecessária tal antecipação. Deixa a boca da urna falar mais alto, pô! Todas estas considerações para dizer que, na democracia, da boca da urna é que deve sair a expressão da vontade do povo. Não foi por saudosismo que se assistiu, nos últimos anos, a proclamação da supremacia do voto “impresso e auditável”, a defesa do retorno da urna de lona com a boca. Como não prosperou a tentativa de desqualificar a urna eletrônica, esses mesmos, descontentes com os resultados que lhes desfavoreciam (sim, porque aos que lhe foram interessantes nada de crítica, ou de questionamento jurídico) passaram a criticar as pesquisas eleitorais. Mas não se engane, isso tudo tem em vista tentativas de desqualificar o processo democrático. De modo que, nunca a boca da urna esteve em tanta evidência.

É bom que se diga, e se repita ad nauseam, que o processo digital de votação, em nosso país, é confiável, e jamais apresentou problemas em escala, de modo que trouxesse algum prejuízo a qualquer candidato. Neste ano, a urna passou por mais testes que em anos anteriores. Não existem brechas no sistema, que é robusto, e tem sido atestado como um modelo, por delegações internacionais. Por sua vez, as pesquisas de opinião não competem com o resultado das urnas. A boca da urna, mesmo eletrônica, continua soberana. Não excluo a possibilidade de que se tenha uma regulamentação que evite excessos, contudo, da mesma forma que em outros setores da vida cotidiana, as pesquisas de opinião podem aferir a vontade popular, no momento em que respondem aos questionários dos pesquisadores. Trata-se de um retrato do momento, tirado por amostragem, a partir de perfis calibrados para representar os segmentos da sociedade. Diferente do que se digita na urna, a opinião muda da noite para o dia, e pode mudar o quadro em questão de horas. Que se aperfeiçoem os procedimentos, e se corrijam os possíveis erros do método, mas não se propague o retrocesso. Todo esse descrédito, a meu juízo, é parte do mesmo pacote negacionista, que pretende se tornar hegemônico e implantar suas ideias à força, questionando a ciência e a tecnologia. Deixem a boca da urna falar mais alto, só ela é que tem a dizer o que é preciso para termos uma república democrática pujante, saudável e com justiça para todos.

 (*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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4 Comentários

  1. Liberdade de opinião (curso de letras até onde sei não tem disciplina de sistemas de informação ou estatistica ou direito ou ciencia politica). Acredita nas pesquisas quem quiser, não é compulsorio. Desqualificar como ‘negacionismo’? Não tem importancia nenhuma. Nada muda. Coisas da velhice, repetir historias que a grande maioria não esta interessada. Hilario, defendem ciencia e tecnologia que não compreendem. Acuse os outros do que vc é: ‘pretende se tornar hegemonico’. Noutro dia não era objetivo de todo grupo politico, uma autojustificação? Vide estatutos dos partidos.

  2. Dai o perigo, faz-se uma ‘pesquisa’, produz-se legislação a despeito da opinião publica. Alás, arrogantemente alguns acreditam que a opinião publica ‘não conta’. Assim caiu a monarquia absolutista na França e na Russia. Assim caiu o Imperio Sovietico. São fatos.

  3. Erro de pesquisas foram noticia lá fora. Não são novidade e estão disseminadas no ocidente. Senado em SP, erro de mais de 30 pontos. ‘Este candidato não tem chance, vou escolher entre os que tem’ não é coisa da Globo. Mudança de opinião e erro de amostragem? Não ha como determinar sem evidencia nenhuma, só no ‘achometro’. Confusão da troca de Primeiro Ministro no UK. Já apareceu pesquisas afirmando que se houvesse eleição os trabalhistas ganhariam. Pesquisas feitas pelos mesmos institutos que afirmavam que o Brexit não iria acontecer, que perto da eleição afirmava que não iria acontecer mas seria um resultado apertado e deu no que deu.

  4. Chatice total. Vermelhos fazem afirmações ‘absolutas’ e se comportam como se o resto da humanidade lhes devesse satisfação. O que é hilário. Não existem sistemas sem brechas, fica por conta da ‘onisciencia’ dos professores (e professoras) universitarios de instituição interiorana. Noutro dia prenderam um adolescente em Feira de Santana, faz parte do Lapsus$. Grupo penetrou o governo brasileiro. E a Sansung. E a Microsoft. Outro adolescente, sozinho, penetrou uma empresa de jogos e vendeu o codigo fonte do GTA V. Pode ser que a propria empresa tenha comprado. Sem falar em governos com muito mais recursos. No mais piada, la garantia soy yo.

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