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O Patriota e o caminhão – por Orlando Fonseca

"Futuro do país não depende de salvadores da pátria, messias ou Quixotes"

A imagem que virou meme, nas últimas semanas, é a mais completa síntese do momento atual na conjuntura brasileira pós-eleição presidencial. Um dos participantes dos protestos que tomaram as estradas do país, logo após a divulgação dos resultados da eleição presidencial, camiseta verde-amarela da seleção, tentando se equilibrar à frente de um caminhão, em alta velocidade. Ganhou as redes sociais pelo mundo. Emblemático. Patético.

Não bastasse a motivação da mobilização, para além do luto pela derrota de seu candidato, a tentativa de parar um caminhão que furava o bloqueio tem a dimensão dos que pretendiam, com sua ação, modificar o andamento normal, legítimo, sem sobressaltos da democracia brasileira. Onde fomos parar? É a pergunta que fazemos, vendo a imagem bizarra de um partidário do atual presidente, em sua tentativa de parar o trem da história com uma patriotada.

Isso me fez lembrar de uma personagem do grande Fernando Sabino: o Viramundo. O nome do guri era Geraldo que, ao início da narrativa, era um menino como qualquer outro, vivendo em sua pequena cidade, com suas maluquices e peraltices. No entanto, a história tem uma virada espetacular, quando o Geraldinho resolve apostar com seus amigos que conseguiria fazer o trem parar naquele município do fim do mundo, onde nem estação havia.

Bem, o desfecho trágico (não para ele) desta aventura mostra as consequências inevitáveis de gestos inconsequentes. O garoto, de Don Quixote passa a Viramundo, e vai viver as suas desventuras Brasil afora. Está tudo no romance O grande mentecapto.

Nesta semana, na qual se comemora a Proclamação da República, é importante refletir sobre a conjuntura histórica. Começando com aquela quartelada de 1889, que acabou com o Império e instituiu o regime republicano, indo aos desdobramentos do pós-eleição de 2022. Da maneira como foi instituída, nossa república já nasceu plena de fragilidades.

A lista de problemas começa um ano antes, com a abolição da escravatura. Além de o Brasil ser um dos últimos países a libertar os escravos, não houve uma política nacional de indenização aos proprietários, e o pior, sem um programa de reinserção dos afro-brasileiros na vida social e no mundo do trabalho. Não foi realizada uma reforma agrária, como nos países que tiveram a transição de regime monárquico para o republicano. Por isso temos um país que vive de sobressaltos políticos.   

Ao longo de pouco mais de 130 anos, tivemos a República Velha, vigente até o Estado Novo que implanta a República Nova, por sua vez interrompida pela Ditadura militar, no golpe de 64; esta teve fim com a Nova República, em 1985, que legou ao país a Constituição de 88 e o Plano Real, com governos de coalizão centro-direita, emulando um modelo social-democrata, algo que foi interrompido com o impeachment de Dilma Rousseff, quando assumiu o poder um modelo reformista com Temer e depois Bolsonaro e a emergência do bolsonarismo – que, entre outras coisas, produziu o meme do patriota tentando parar um caminhão no muque.  

A direita teve oportunidade de se mostrar, e de mostrar o seu projeto de poder para o país. Mas o que sobra do tempo em que esteve à frente das decisões no Brasil, nestes últimos anos, deu mostras do esgotamento do modelo prescrito pela cartilha neoliberal.

Tentando se sustentar na divulgação de notícias falsas, negacionismo de toda ordem, fundamentalismo religioso baseado na comunidade das religiões neopentecostais, o que vimos foi um desmonte das políticas públicas, e um desastre econômico de proporções gigantescas.

E agora, com a vitória de um governo de coalizão centro-esquerda, existe a possibilidade de que se descortine um momento para a Quarta República, com um programa de combate à fome, reestruturação da economia nas bases em que o capitalismo se sustenta, atualmente, preservando o meio-ambiente e respeitando os direitos humanos.

Mas é claro, desde que um Viramundo não venha querer parar o trem da história na marra. O futuro do país não depende de salvadores da pátria, nem de messias ou de Don Quixotes de ocasião.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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6 Comentários

  1. Transição de governo necessita de emenda constitucional. Só no Brasil. Rombo no orçamento muito acima do que seria necessario para manter os 600 reais do auxilio ou aumentar o salario minimo 1% (ou o que seja). Trem da alegria. Vão querer aumentar impostos, como prognosticado. São capazes de fazer afundar a economia antes de tomar posse. Isto é muito mais importante que o sujeito grudado no caminhão. Querer usar os cavalistas como cortina de fumaça (e mimimi de ‘democracia’) não funciona. Só para avisar.

  2. Contas erradas, estamos na 6ª Republica, para que aconteça uma nova só com nova CF. ‘reestruturação da economia nas bases em que o capitalismo se sustenta’, ou seja, socialismo. Molusco com L., o honesto, também foi vendido como ‘salvador da patria’. Vão dizer que não, na cara dura, com todos vendo?

  3. Primeiro governo Molusco com L., o honesto, foi social democrata porque continuou as politicas de Efeaga. Depois virou outra coisa. Por isto deu no que deu. Grande maioria viu, estavam lá. Dilma, a humilde e capaz, implantou um desenvolvimentismo incompetente, deu no que deu. Querem reescrever a historia poucos anos depois da ocorrencia dos fatos, patetico. Temer assumiu para evitar o pior.

  4. Republica foi proclamada e ficou claudicando até a Revolução de 30. Passando por Rui Barbosa, um dos piores ministros da fazenda da historia, imprima dinheiro a rodo e obviamente deu m. Hoje é heroi dos causidicos (foi reabilitado) e tem busto no Congresso. Deodoro deu um segundo golpe, dissolveu o Congresso anos depois. Questão dos escravos não é tao simples, havia os financiadores (vide Os Donos do Poder) e reforma agraria num pais onde a grande maioria das terras não tinha dono, eram desabitadas, muitos lugares so começaram a ter gente na decada de 60 quando começou uma expansão para o oeste.

  5. Disney tem uma série nova. Andor. Star Wars para adultos. O inicio da rebelião. Tem até um AI-5. Critico da internet, PH Santos, analisa a serie. Guerra de Classes, Escola de Frankfurt, Foucault, o escambau. ‘Os autores só podem estar usando os mesmos livros que cito como referencia’. Problema é que o autor, Tony Gilroy, é acessivel, da entrevistas. Perguntando no que se baseou para escrever a série (que de fato é muito boa) responde: Resistencia Francesa, Revolução Haitiana, etc. ‘Esta tudo ali, basta pegar os melhores fatos da historia destes movimentos’. A leitura do critico esta errada porque ideologicamente ele acredita que só uma opção é possivel e, sem surpresa, está errada. No capitulo da semana passada um personagem dá um discurso cujo final é previsivel (interpretado por Stellan Skarsgård), mas o caminho para chegar lá é interessante. Uma das frases (spoiler) ‘Eu estou condenado a usar as armas do meu inimigo para derrotá-lo’. ‘Eu queimo minha decencia pelo futuro de outros. Eu queimo minha vida para fazer um amanhecer que sei que nunca verei’. Vermelhos até se identificam com a obra. Mas o busilis é que o Cavalismo surgiu como reação ao Molusquismo Honestista que está aí ha decadas.

  6. Mundo está cheio de absurdos, uns interessam, outros não. O Grande Mentecapto, o que perdeu a virgindade com uma cabrita apos uma tentativa de incesto forçado. Li há decadas, não leria de novo. Há um quê de Macunaima, de Memorias de um Sargento de Milicias.

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