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Quanto vale uma manchete? – por Luciana Manica

Já teci palavras por aqui quanto à necessidade de se atentar para a violação de direitos de foro íntimo dos biografados e o de total desinteresse (que deveria haver) do público quanto a temas realmente privados. Estranhamente, a audiência é notória para programas de televisão escrachados e a leitura se destina com mais vigor para a vida alheia. Não às notícias realmente relevantes, históricas ou heroicas, mas sim, às que remetem à desgraça, erros, falhas, ou seja, de seres humanos, que em verdade ficam vulneráveis ao que é publicado sem a sua anuência.

Hoje em dia, o que acaba por ser publicado pelas pessoas no Facebook  nem é tão interessante, até porque costuma vir de ato voluntário, e ainda, os indivíduos criam um cenário maravilhoso de uma vida verdadeiramente desgraçada. Então, o que mais se vê são flores, amor, vitórias. Ninguém expõe uma vergonha, um erro seu na internet, só de terceiro! Se eventualmente publicar algo que denigra sua própria imagem, identificaremos como autopenitência, pois restaria aparentemente inexplicável.

Mais, essas notícias de vida boa, champagne, viagens, sucesso não são compartilhadas. Ao contrário, o deslize, a conduta equivocada, o desequilíbrio, a pulada de cerca, a opção sexual “distinta”, o cutuque no parceiro do outro se propagam sem necessidade de pagamento de publicidade. Refiro-me aqui a questões de foro íntimo, quando alguém “na surdina” grava, filma e expõe com intuito de ferir, e não de informar.

Faça um teste você mesmo. Se alguém lhe envia um vídeo pelo What´s App de oração, palavras de força vindas de um amigo, com aquela música infindável, você fica P da vida, pois sabe que a mensagem poderia ser resumida em duas palavras: “conte comigo”. Já, se lhe encaminham um vídeo, precisamente com tema a se dizer “vergonha alheia”, você aguarda atento até chegar o fim da desgraça, e ainda ri!

Assim, o STF ao se pronunciar quanto à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 4.815, proposta em 2012 pela Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL), compreendeu que os artigos 20 e 21 do Código Civil são parcialmente inconstitucionais. Explico. Ao fazer uma leitura dos mesmos à luz da Constituição Federal, interpretou que a veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais, independe de prévia autorização dos biografados ou de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, caso a pessoa retratada seja falecida).

De fato essa decisão judicial não traz segurança jurídica aos escritores, editores, tampouco a biografados. A questão é que o simples fato de não ter a concordância prévia do “afamado” não remete a qualquer irregularidade. Restaria ao biografado ou familiares pleitear a reparação dos danos morais e materiais, requerer a retificação das informações veiculadas, o direito de resposta e até mesmo a responsabilização penal do autor da obra.

Existem duas espécies de biografias, uma autorizada e outra não. A autorizada parece ser menos interessante porque representa a “versão polida” da vida do biografado, ou seja, apenas os fatos e circunstâncias que ele quer que sejam mostrados. Já a não autorizada ocorre quando o biografado não concordou expressamente com a obra ou até se insurgiu formalmente contra a sua edição ou familiares (caso falecido).

Ainda há aqueles que são surpreendidos, e ficam sabendo que praticaram atos nunca dantes percebidos sequer por eles mesmos. Por que essas são as obras que possuem maior interesse do público? Pois repletas de fatos polêmicos e às vezes pouco conhecidos da vida do biografado, circunstâncias que jamais queria expor! Esquece o STF que o dano é imensurável e pode se propagar para todo o sempre.

O que mais me impressiona não é o fato de novamente o STF alegar interesse público em questões de foro íntimo, mas mensurar a honra, a moral, direitos personalíssimos que excepcionalmente devem ser compensados monetariamente, colocando-os numa roleta russa. Por vezes me pergunto: por que será que a honra dos juristas é mais valiosa que a nossa, reles mortais? Certamente a biografia deles é lacrada e não há preço que pague por violarem suas privacidades. Mas, por óbvio, a vida alheia é bem mais interessante, até porque a desgraça, a frustração, a vergonha são de terceiro, e não sua!

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