Dia de aniversário – por Marta Tocchetto

Meus pensamentos viajam, no dia do meu aniversário, pelo universo dos meus sonhos, dos meus propósitos, das minhas lutas, das minhas lembranças e da alegria de viver.

Dia de aniversário sempre traz consigo lembranças e sonhos. Não há como não lembrar de como foi o anterior. Quem estava? Onde foi? O que teve e o que não teve? Passou em branco ou foi uma grande comemoração? Será que este ano, o sonho antigo será realizado? Será que quem há tanto tempo não encontramos estará junto?

Depois de dois anos forçados de afastamento, certamente, não sou apenas eu que guardo desejos de reencontro. Reencontro com as amigas e colegas centenaristas que até a decretação da pandemia, nos encontrávamos, mensalmente, para relembrar os tempos de Centenário, cultivar as amizades que ultrapassam mais de cinco décadas e cantar o hino.

“Querido Centenário

Nós te amamos

Com muita afeição

A ti nós vamos

Tu és o nosso lar “… 

O tempo passou, o Centenário completou o seu centenário (não é só trocadilho) em Santa Maria. Os nossos sentimentos continuam vívidos como quando usávamos saia xadrez, não raramente, enrolada na cintura para ficar mais curta, camisa branca com gravata e sapatos colegiais pretos.

Reencontro com amigos e amigas de trabalho e de outras atuações. Este ano desejo brindar as amizades que conseguiram transpor esses tempos virulentos e obscuros. Virulência que não foi capaz de ruir sonhos e desejos de novas edificações, mesmo que o tempo contabilize várias décadas vividas, certamente, bem mais do que a metade.

Ao contrário, os sonhos e os desejos, incrivelmente, continuam mais vivos e mais cheios de energia, nem parecendo que o tempo que tem a implacável capacidade de exaurir o vigor e o viço, passou vorazmente.

Dia de aniversário me traz um turbilhão de sentimentos. Sentimentos passados com sabor de lembranças e de saudade. Sentimentos presentes com gosto de gratidão e de felicidade. Sentimentos futuros com aroma de sonhos e de alegria de viver.

A vida se mantém viva enquanto houver sonhos. Sem sonhos, o tempo paralisa. Para sonhar basta a alegria de viver. Vivas à vida! Viva a vida! Sonhos não são grandes, nem pequenos. Sonhos são desejos. Desejos de mais união entre as pessoas, entre os povos. Desejo de paz universal. Desejo de liberdade e de igualdade. Desejo de plenitude, sabedoria.

Sonhos de inexistência de barreiras, de emergir da escuridão, da ignorância, da desigualdade, do preconceito e da ganância. Sonhos cujas limitações são determinadas apenas pela capacidade de sonhar e pelo desejo intenso de realizar. A realização do sonho está na busca, na entrega. Não há sonhos impossíveis. Há sim disposição para buscar, se entregar.

Há sonhos que dependem da busca e entrega coletivas. Sofro pelas florestas derrubadas e queimadas, pelos desalojados e refugiados climáticos, pelas tentativas de apagamento dos povos originais, pelos eventos extremos, pela seca torrencial, pela enxurrada, pela água que se esgota, pelo ar poluído, pela epidemia de dengue, pelas pandemias, pelo envenenamento pelos agrotóxicos, pelas abelhas mortas, pelos animais extintos, pelo mar cheio de plástico, pela fome, pelas crianças e idosos abandonados, pela guerra …

Conter as mudanças climáticas e a destruição do planeta é um sonho e, infelizmente, não depende apenas das minhas ações e do meu querer. Assim fosse! Eu não teria preguiça e, tampouco mediria esforços para mudar, aliás não tenho e me esforço. Meus sonhos e meus empenhos são limitados por políticas e mudanças mais extensas.

Não somos uma ilha em um universo desconexo. Somos um sistema em que todos, todas e tudo está conectado, inclusive a felicidade de ter um mundo mais justo. A felicidade não é egoísta. Compreensão e olhar que só o tempo concede. Nos tempos de idade outonal, detalhes passam a ganhar importância e significado.

Ser feliz ganha contornos de completude e de amplitude. Meus pensamentos viajam, no dia do meu aniversário, pelo universo dos meus sonhos, dos meus desejos, dos meus propósitos, das minhas lutas, das minhas lembranças e da alegria de viver. Eu adoro dia de aniversário. A sensação é de que o dia ainda é meu, independente da distância dos tempos de infância. Hoje, sou senhora do meu tempo, aprendi a compreendê-lo.

“Eu acredito. Acredito no tempo. O tempo é nosso amigo, nosso aliado, não o inimigo que traz as rugas e a morte. O tempo é que mostra o que realmente vale a pena, o tempo nos ensina a esperar, o tempo apaga o efêmero e acaba com a dúvida”, Caio Fernando Abreu

(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.