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A morte do Papa Francisco no espelho das ideologias extremistas – por Amarildo Luiz Trevisan

“Reação de algumas figuras foi marcada por desrespeito, sarcasmo e cinismo”

A morte do Papa Francisco, figura singular do nosso tempo, não suscitou apenas comoção e reverência – como se poderia esperar diante da partida de um líder espiritual de tamanha relevância – mas também expôs, de forma crua, os efeitos corrosivos das ideologias extremistas em nossa convivência social. No Brasil, a reação de algumas figuras públicas foi marcada por um misto de desrespeito, sarcasmo e cinismo, revelando mais sobre o estado espiritual de quem reage do que sobre aquele que partiu.

É quase inconcebível que uma vereadora, também policial penal, tenha se referido à morte do Papa como uma “limpeza espiritual”. Ou que um deputado federal se permitisse zombar do falecimento de um líder religioso mundial, usando-o como matéria-prima para atacar o judiciário. Não se trata aqui de concordar ou não com a trajetória de Francisco, mas de reconhecer o que há de sagrado na morte, no luto e na memória – algo que deveria ultrapassar as fronteiras das ideologias partidárias.

Mas, afinal, o que leva alguém a perder de vista o mínimo de compaixão? Quando a ideologia se torna lente única, ela aprisiona. Em vez de ampliar os horizontes da compreensão, reduz a realidade a um campo de batalha simbólico onde tudo precisa servir à luta. A ideologia, em sua essência, é um modo de interpretar o mundo. O problema emerge quando ela se absolutiza – quando se torna o próprio mundo, e tudo o mais é visto como ameaça ou heresia.

É aqui que a teologia nos oferece uma chave mais profunda de interpretação: a idolatria. A idolatria não se limita a figuras de pedra ou ouro. Ela pode se revestir de ideias, símbolos, bandeiras, partidos. Como nos lembra o filósofo cristão David Koyzis, as ideologias tornam-se idólatras quando isolam um aspecto da criação – seja o mercado, o Estado, a liberdade ou a nação – e fazem girar o restante da realidade em torno dele. Quando isso acontece, a verdade se curva diante do fanatismo, e a ética se torna refém da conveniência.

Jesus, ao resumir a lei em um único mandamento – “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, alma, forças e entendimento” – nos lembra que o amor supremo pertence somente a Deus. Tudo aquilo que exige de nós esse amor total se converte em ídolo. Assim, quando vemos pessoas zombando da morte de um papa, não estamos apenas diante de um desvio moral: estamos diante de um sintoma teológico. O coração deixou de buscar a verdade, a justiça, a compaixão – e passou a servir um senhor menor, uma ideologia que se quer divina.

Retornando ao fato: a morte do Papa Francisco não é apenas o fim de um pontificado. É um espelho. Um espelho que revela quem somos quando achamos que estamos falando do outro. As reações ofensivas, desrespeitosas ou sarcásticas dizem pouco sobre o homem que partiu – que será lembrado por sua firmeza pastoral e sua fidelidade aos pobres – e muito sobre os valores que tomaram conta do coração de quem o julga. Como num exame espiritual, sua morte nos obriga a perguntar: o que realmente adoramos? E o que deixamos de amar?

Talvez seja hora de voltarmos a esse lugar onde o humano e o divino se encontram. E reaprendermos a morrer – e a viver – com mais reverência.

(*) Amarildo Luiz Trevisan é Licenciado em Filosofia no Seminário Maior de Viamão, tem o curso de Teologia, é Mestre em Filosofia pela UFSM, Doutor em Educação pela UFRGS e Pós-doutor em Humanidades pela Universidade Carlos III de Madri. Desde 1998 é docente da UFSM. É professor de Ciências da Religião e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSM).

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6 Comentários

  1. Resumo da opera. Vermelhos se definem na oposição e na negação a outros. ‘Não somos estes daí’. Obviamente são hipocritas. Idolatria só é problema quando não é monopolio da esquerda.

  2. Para quem não fica chafurdando na politica (que nada resolve) o tempo inteiro o ponto alto da semana foram memes. Que rebatizaram Portugal como ‘Guiana Brasileira’. Ou ‘Pernambuco em Pé’. Ou ‘Faixa de Gajos’. Ou ‘Rio Grande de Fora’. Ou ‘Porto das Gajinhas’. Ou ‘Capitanias Desnecessarias’. Como em quase todo assunto desagradou alguns e rendeu boas risadas a outros.

  3. Criticar a Igreja Catolica não é proibido. Existe um negocio chamado de ‘liberdade de expressão’ garantido na CF88. Obviamente criticar quem critica também é permitido. Não é de bom alvitre, porem, criticar outras religiões. Vide o caso Charlie Hebdo.

  4. Nesta ultima semana ocorreu uma operação da PF que levantou um escandalo no INSS. Descontos não autorizados. Lembra outro caso onde emprestimos consignados teriam sido desviados por um certo casal. Que foi parar debaixo do tapete do judiciario. O atual caso deve parar no mesmo lugar. Surpreendente é que alguns ainda se surpreendem com casos de corrupção. Do nado sai a prisão de Collor e tira o escandalo do noticiario. Morre o Papa e involuntariamente tira tudo isto do noticiario.

  5. Esta é daquelas. Daquelas que cansam. Militantes vermelhos que se arvoram na função de ‘fiscais da humanidade’. Ficam procurando ‘imoralidades’ que a maioria ignora, não sem motivo, para tentar obter alguma vantagem politico-eleitoral.

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