Política

CRÔNICA. Orlando Fonseca questiona o que pensam aqueles que estão nos altos escalões da República

O que eles estão pensando?

Por Orlando Fonseca*

Não se trata de afronta a frase do título. Estou perguntando mesmo, porque queria entender o que se passa nos altos escalões da república brasileira. Que, nas redes sociais, os correligionários, apaixonados pelo mito que se instalou no Planalto, pensem e revelem barbaridades, é até compreensível. Agora, que altas autoridades do comando da Nação, a nossa Nação, o Brasil, venham a público manifestar certas ideias é de deixar aterrado qualquer um que se dê ao trabalho de escutar ou ler com atenção. Quando não com vergonha alheia, como o que me aconteceu com a atual secretária de cultura do governo federal. A ex-atriz global, antiga namoradinha do Brasil, agora é amante de uma ideologia à qual se agarra cada vez com maior paixão – e certa dose de loucura. Claro, a julgar pela entrevista que deu à CNN semana passada, e não apenas por isso. Representa à altura onde é que o projeto que tomou de assalto o país – pela via democrática, diga-se de passagem – coloca a cultura, que nem Ministério tem, e agora nos amarga ver que nem um dirigente da pasta com sanidade.

Dentre as muitas figuras que circulam nos meios palacianos e entorno, a que mais me chamou atenção foi o elogio do General Villas Boas, que parabenizou Regina Duarte pela entrevista e ainda chamou a CNN-Brasil de “tribunal de inquisição”. Ele sabe do que está falando, por óbvio, mas não deixa de ser inquietante ele se declarar “encantado com a Regina pela demonstração de humanismo, grandeza, perspicácia, inteligência, humildade, segurança, doçura e autoconfiança que nos transmitiu”. Será que assistimos – ele, eu e uma multidão de brasileiros perplexos com a performance da entrevistada, dublê de gestora da cultura nacional? Para quem considera relevante o “pum do palhaço”, em detrimento de projetos consistentes para o setor, ela realmente foi honesta consigo mesma. Mas o general supracitado estava “super de boas” para emendar aquela lista de elogios.

Regina Duarte também foi parabenizada em público por Jair Bolsonaro, dizendo-se satisfeito com os posicionamentos dela, com certeza naqueles trechos em que minimizou a tortura durante a ditadura, ou quando relativizou o impacto do coronavírus. Ainda deve ter contribuído para esta satisfação o fato de a titular da pasta da cultura – uma pastinha de plástico com elástico, diga-se en passant – o fato de ter subestimado o seu papel ao mencionar mortes de artistas durante a pandemia. E olha que só neste período, para mencionar os grandes luminares, finaram-se Rubem Fonseca, Garcia-Roza, Morais Moreira, Aldir Blanc, Flavio Migliaccio. Nenhuma notinha oficial foi publicada pela ex-atriz, o que é capaz de deixar algumas pessoas de queixo caído, mas outras felizes, pelo que se vê. Para o pessoal palaciano, a secretária conseguiu sair “de cima do muro” e se posicionar como uma defensora das ideias do presidente. Ela se garantiu mais algumas semanas à frente de sua secretaria. Já a cultura, como se pode ver, por todas as pandemias que atacam o Brasil, ultimamente, vai de mal a pior.

Os vários movimentos que tentam reinventar as possibilidades de expressão e de circulação da arte são a mostra de que o setor cultural tem energia e força de superação. A despeito da falta de uma política clara e consistente no programa do atual governo federal. Neste mesmo período, o Sistema Nacional de Cultura foi desmantelado; nem ministério mais existe – por força do entendimento que tem essa gente em relação ao significado da arte para o povo. Mas eu tenho de considerar que o nosso Brasil não é Pátria amada apenas para esse grupo. Sabemos, cada dia, com maior estupefação o que eles estão pensando. A verdade é que, uma vez derrotada a sanha do coronavírus, será preciso recuperar a saúde mental do povo, que segue o mito pelas ruas, sem saber ao certo o que está celebrando.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do editor: A imagem que ilustra a crônica foi registrada durante entrevista de Regina Duarte à CNN Brasil.

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Um Comentário

  1. Imprensa não tem credibilidade. Não só aqui. Falsas polemicas, crises inventadas, sensacionalismo barato. Jornalistas dando opinião sobre boatos, radio corredor dos palácios, fofocas e intrigas. Chegam ao ponto de, ‘democraticamente’, forçar a adoção de políticas públicas.
    Os mortos têm uma vantagem indesejada, seus problemas acabaram. Nenhum dos citados no texto tem menos de 70 anos. Alás, o que acontecerá com a ‘luminaridade’ depois que os ‘especialistas’ que assim consideram se forem? Alás, de que ‘cultura’ se trata? BBC, é bom levar para longe para não mudar de assunto, está com um problema: audiência das camadas mais jovens declina aceleradamente.
    No mais o mesmo. Quem critica os que estão aí são os mesmos que negam que havia uma cleptocracia antes. Não que os desvios tenham terminado. Há quem defenda aumento de tributos. Sem dinheiro público não tem como roubar o contribuinte, a cornucópia nacional.
    Mas não há com o que se preocupar. Até a década de 70 um dia acaba.

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