Uma câmera, uma arma – por Bianca Zasso
Diz o ditado que a curiosidade matou o gato. Mais do que felinos, muitos humanos já pagaram caro por não resistirem a um buraco de fechadura ou aquela frestinha da janela. Observar o outro é, para alguns, uma obsessão. E mesmo que você não se considere um voyeur nato, caro leitor, terá que assumir que o cinema é uma forma de voyeurismo. E das boas. Tanto que alguns personagens inesquecíveis gostavam de uma espiadinha.
O fotógrafo de Janela Indiscreta, de Hitchcock, talvez seja o mais famoso deles. Com um binóculo e um bom faro jornalístico, ele descobre que o cotidiano da vizinhança é bem mais sinistro do que parece. Porém, na humilde opinião desta colunista, o filme que melhor retrata o poder que dos obcecados pelo olhar é A tortura do medo.
Dirigido por Michael Powell, o filme de 1960 conta a história do fotógrafo Mark Lewis, um homem tímido que está sempre com sua câmera à tiracolo. Filho de um terapeuta obcecado com o medo das pessoas, ele passou a infância sendo usado como cobaia nos experimentos do pai. Já adulto, Lewis torna-se obcecado pelas expressões de pavor que tomam conta do rosto das pessoas ao se depararem com a morte.
Para suprir seus desejos, ele mata mulheres e filma as reações das vítimas. Diferente de alguns serial killers do cinema, Lewis não inspira medo. É um sujeito pacato e extremamente tímido. Porém, quando está diante de suas vítimas, ele não poupa esforços para ver medo em seus olhares.
Na época de seu lançamento, A tortura do medo não agradou a crítica e quase não chegou às salas de exibição. Décadas depois, o diretor Martin Scorsese, um apaixonado pelo filme, relançou a produção em versão remasterizada. Era o que faltava para que uma nova geração descobrisse o talento de Powell e o poder de A tortura do medo.
As cores vivas da fotografia assinada por Otto Heller só colaboram para que o público seja seduzido pela mente de Lewis e seu mundo particular, cercado de lentes, películas e armas nada convencionais.
Chega a ser quase impossível acreditar que o público e os estudiosos de cinema não tenham entendido o poder de A tortura do medo quando este chegou às salas de exibição. Assistir aos mistérios de uma mente doentia na tela grande é uma das melhores experiência que um cinéfilo pode ter.
Ainda mais quando a mente em questão lida com a imagem, com a sedução que o ato de observar tem. Somos visuais, não podemos negar. Não há óculos escuros que nos façam desviar quando alguma imagem nos atrai. A tortura do medo não é só um filme assustador, é um filme sobre a loucura que é filmar, eternizar feições, imortalizar gestos.
Cinema é mesmo uma loucura. A melhor de todas.
A tortura do medo (Peeping Tom)
Ano: 1960
Direção: Michael Powell
Disponível em DVD
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