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Legalizar o garimpo nas áreas indígenas é um tapa na cara dos brasileiros – por Carlos Wagner

E ainda há risco de o país virar alvo de sanções iguais às que a Rússia enfrenta

Qual a ligação do garimpo na Floresta Amazônica brasileira e a guerra entre Ucrânia e a Rússia? (Foto Reprodução)

É de se perguntar. O governo do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), acredita que ninguém percebeu que ele está usando a guerra na Ucrânia para legalizar os garimpos clandestinos nas áreas indígenas na Floresta Amazônica? Ele, os seus generais e os aliados do Centrão acreditam que americanos, europeus e asiáticos vão assistir a tudo de braços cruzados? Sabem que não.

Primeiro, eles vão retaliar o consumo dos produtos brasileiros, principalmente os do agronegócio. Depois poderá acontecer um êxodo do Brasil dos produtos de marca, como está acontecendo com a Rússia, que invadiu a Ucrânia desencadeando um conflito que está sendo transmitido online para o mundo. E, por último, o país poderá sofrer sanções econômicas dos Estados Unidos e seus aliados.

O que escrevi não é opinião. São fatos que temos publicado nos últimos três anos, quando a política ambiental do governo resultou na aceleração da destruição da Amazônia. É do jogo o governo federal tentar vender o seu peixe. É obrigação do jornalista explicar os fatos ao leitor de maneira simples, elegante e direta, para saber que peixe o governo quer vender. É sobre isso que vamos conversar.

Comecemos a nossa conversa com uma pergunta. Como o governo embrulhou esse peixe? Antes de respondê-la vou dar uma explicação que julgo necessária para quem não é jornalista e para os jovens colegas repórteres que estão fazendo a cobertura do dia a dia nas redações, ganhando um dos menores salários da história da categoria e cumprindo uma enorme carga de trabalho, que inclui a produção de textos, áudios, vídeos e o que pintar. Portanto, têm pouco, ou nenhum tempo para se contextualizar dos assuntos que caem nas suas mãos.

Vamos à explicação. Pressionados pelos ambientalistas, há pelo menos meio século os grandes bancos brasileiros, americanos, europeus e asiáticos perfilaram-se ao lado de outros setores industriais, comerciais e de serviços que entenderam que a preservação do meio ambiente é fundamental para os negócios e para a vida como a conhecemos.

Esse novo entendimento foi fundamental para a preservação da Floresta Amazônica – recomendo pesquisar o trabalho da antropóloga Mary Allegretti sobre o sindicalista Chico Mendes. A legislação ambiental do Brasil perfila-se entre as mais adiantadas no mundo. E os órgãos de fiscalização governamentais funcionavam bem graças às parcerias feitas com organizações não governamentais.

Bolsonaro começou a desmontar a fiscalização ambiental no dia seguinte ao que tomou posse, em janeiro de 2019. Hoje o risco da floresta desaparecer é real, como era nos anos 70, na época do povoamento das fronteiras agrícolas nos estados do Centro-Oeste e do Norte por agricultores sulistas.

Para o presidente Bolsonaro completar a sua obra de destruição da Amazônia falta a legalização do garimpo nas terras indígenas. Como ele vai fazer? Aqui volto ao nosso assunto, respondendo à pergunta do peixe. O papel que o governo federal está usando para embrulhar o peixe é a guerra entre Rússia e Ucrânia.

Por conta desse conflito, os agricultores brasileiros estão com problemas para importar os fertilizantes, ou adubo, usados nas lavouras. O país importa 90% do seu consumo de adubo, sendo que 38% vem da Rússia e do seu aliado, a Bielorrússia. O principal produto químico do adubo é o potássio, que o Brasil importa 85% do seu consumo, sendo 28% da Rússia e do seu aliado a Bielorrússia.

Segundo uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), existem no território brasileiro 13,7 milhões de hectares em que há possibilidade de existirem jazidas para extração de potássio. Sendo que 11% dessa área fica nas reservas indígenas da Amazônia.

O presidente Bolsonaro simplificou o problema do adubo e afirmou que é hora do país começar a extrair o seu potássio. Começando pelas reservas indígenas. Na semana passada, quarta-feira (09/03), seu aliado político e presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conseguiu aprovar, por votos 279 a 180, o pedido de urgência para a tramitação do projeto de lei 191/2020, de autoria da Presidência da República, que propõe a legalização da mineração e exploração dos recursos hídricos nas áreas indígenas.

Foi criada uma comissão que tem o prazo de 30 dias para analisar a proposta e depois disso o projeto será colocado em votação no plenário da Câmara. O projeto é uma promessa de campanha de Bolsonaro e foi enviado em 2020 pelo governo para a Câmara.

Dois dias depois da aprovação de urgência na votação da mineração nas áreas indígenas, sexta-feira (11/03), o governo federal lançou o Plano Nacional de Fertilizantes com o objetivo de reduzir até o ano de 2050 a importação por meio de estímulos à produção nacional. O presidente disse que foi alertado pela Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, em 2021, a reduzir a dependência do país no setor de fertilizantes.

Ouço falar disso desde 1979, quando comecei na profissão. Esse plano é um amontoado de conversas sem sentido, que tem como objetivo justificar e pressionar pela liberação da mineração nas terras indígenas.

Como disse lá no início do texto. Os bancos, grandes empresas e a sociedade como um todo ao redor do mundo exigem dos brasileiros a preservação da Floresta Amazônica por considerá-la fundamental para a manutenção da vida na Terra.

Aliás, foram os brasileiros que convenceram o mundo da importância da floresta. Isso significa que se seguir o atual ritmo de destruição da mata exércitos estrangeiros podem invadir o Brasil? Claro que não. As coisas não acontecem assim.

Primeiro, vão boicotar os produtos brasileiros, o que causará o aprofundamento do desemprego. Se não der resultado virão as sanções econômicas. Lembram do debate em 29 de setembro de 2020 entre o atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (democrata), e Donald Trump (republicano)? Na ocasião, Biden disse que arrecadaria 20 bilhões de dólares para os brasileiros pararem de queimar a Floresta Amazônica. Depois disse que se o problema persistisse viriam as sanções econômicas.

Perante a opinião pública mundial, a Floresta Amazônica é uma espécie de garantia de que enquanto ela sobreviver a raça humana terá uma chance de continuar existindo. Aprendi isso com correspondentes estrangeiros que encontrei durante coberturas jornalísticas.

O presidente Bolsonaro não está nem aí para o que o mundo pensa da floresta. O seu único interesse é cumprir a sua promessa de campanha e legalizar o garimpo nas áreas indígenas.

O mundo que está vindo por aí é desconhecido de nós jornalistas, porque ele ainda está sendo forjado pela pandemia da Covid-19 que já matou mais de 5 milhões de pessoas, sendo 650 mil no Brasil, e colocou a economia mundial de joelhos. E pela transmissão online da guerra da Ucrânia.

Graças às novas tecnologias, os repórteres estão transmitindo ao vivo a artilharia e a aviação russas bombardearem os civis na Ucrânia. São mulheres, crianças, velhos e animais de estimação sendo fustigados pelas bombas. É possível ouvir nas transmissões os gritos de dor dos feridos.

Que mundo surgirá no pós-pandemia e pós-guerra da Ucrânia? Ninguém sabe. A única coisa certa é que vamos continuar lutando para sobreviver no planeta. Isso inclui a defesa da Floresta Amazônica. Legalizar o garimpo nas terras indígenas é dar um tapa na cara dos brasileiros, um desaforo.

PARA LER A ÍNTEGRA, NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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2 Comentários

  1. Em 2010 Eike Baptista tentou fazer um estaleiro em SC. Parceria com a Hyundai. ‘Poderia ter impacto em tres unidades de conservação’. ‘Os moradores são contra’, assim mesmo moradores indeterminados. Instituto Chico Mendes. Imprensa contra. Alás, se a imprensa é contra qualquer informação que dela provem é duvidosa. Questão que ficou: poderia ate ser um absurdo construir o empreendimento, mas a questão foi decidida ‘no grito’. ‘Os bancos, grandes empresas e a sociedade como um todo ao redor do mundo’ Quais bancos, quais grandes empresas? Existe procuração para falar em nome dos 7 billhões de habitantes do planeta? ‘Retorica’ do paleolitico. No mais, o que decidirem para mim esta bom. Tanto faz.

  2. Para começo de conversa, nem o autor e nem o editor têm mandato ou procuração para falar em nome dos ‘brasileiros’. Segundo, intervenção (mantidas as informações atuais) virá, não é questão de ‘se’ é questão de ‘quando’. Ultima informação é que em 2019 o Paraguai autorizou instalação de bases militares ianques no seu territorio. Tinham começado a construir uma na região da triplice fronteira. Brasil importa mais de 500 milhões de dolares a mais do que exporta anualmente para os EUA. Europa já fica nos dois bilhões positivos. Problema é que, como a Russia, não podem ficar boicotando porque não tem muitos fornecedores e dai o preço sobe. O que traz instabilidade politica.

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