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A bolsa maconha – por Marcelo Arigony

“Como descriminalizar o uso (posse para uso) e seguir punindo o tráfico?”

Chego na escola da minha filha para buscá-la. Encontro alguns professores fumando maconha no pátio. Já havia terminado o turno, e ninguém tem nada com isso. Riem, aparentemente felizes. Mas tenho a impressão de que seus dentes antes eram mais brancos…

Noutra cena, uma passeata: mães em marcha, clamando por alguma regulação quanto ao uso de drogas no entorno das escolas… e hospitais. Algumas ostentam fundas olheiras, fruto de noites maldormidas, e de trabalho quase escravo para sustentar filhos presos ao tráfico.

Esse pode ser o novo normal. Temos um placar de 5×1 em importante julgamento na corte excelsa. Os ministros supremos caminham no sentido de decidir que uma pequena quantidade de substância entorpecente para uso pessoal – talvez 50 gramas – não tem o condão de ferir a saúde pública, a tranquilidade, a segurança e outros bens jurídicos adjacentes.

Juridicamente talvez estejam certos. O Direito Penal deve ter lugar apenas quando se fere o outro. No caso das drogas, se estiver fazendo mal apenas a si próprio, não atenderia à alteridade, nem à ofensividade, intervenção mínima…. e tantos outros princípios que podemos invocar em defesa da descriminalização… mas o buraco é mais embaixo.

A equação posta não fecha. Como descriminalizar o uso (posse para uso) e seguir punindo o tráfico? Se descriminalizar a posse para uso, obviamente o uso aumenta. E mais uso demanda mais produção, mais transporte, mais comércio. Tudo no ilícito??

E antes que me apedrejem, tenho consciência de que estamos trabalhando errado. Nunca se prendeu tanta gente; nunca se apreendeu tantas drogas… e armas. E o consumo não cede. O tráfico só encorpa, e a massa carcerária aumenta. As prisões de pequenos traficantes só fazem alimentar a horda das facções. É mão de obra barata e descartável, posta à disposição dos grupos criminosos, dentro e fora das cadeias.

Mas a discussão no STF precisa ser ampliada. Já não há pena de prisão para usuários na Lei de Drogas. O que está inchando as cadeias e aparelhando as facções com mão de obra barata e descartável é a prisão de traficantes de drogas. A questão central é essa! E vão liberar o uso, mas manter proibido o comércio? Para que eu quero descer!

Muitos usuários passam ao tráfico para sustentar o próprio vício, por diversão, para ganhar status, ou por oportunidade de trabalho. E logo em seguida estão presos nos tentáculos das facções. E arrastam as famílias junto. Essa realidade grita na análise da curva crescente de homicídios.

Só tem um jeito: criem duma vez a bolsa maconha. Aí o cara recebe a maconha do governo, e o tráfico fica à espera de Dom Sebastião…

(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.

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10 Comentários

  1. Análises superficiais a parte, o Brasil é o Titanic, não há bote salva vida para todos; os ricos, os servidores publicos e os politicos (e seus badalhocas) vão primeiro. Simples assim.

  2. ‘Muitos usuários passam ao tráfico para sustentar o próprio vício, por diversão, para ganhar status, ou por oportunidade de trabalho.’ Diversão sinonimo de leviandade, do ‘só acontece com os outros’. ‘Próprio vicio’ bate na saude publica, falta de atenção com as doenças mentais. Esquerda lutou na decada de 70/80 para acabar com os hospicios e nada ficou no lugar (mandaram gente para as familias que não queriam ninguem de volta; hospicios que eram show de horrores diga-se de passagem). Alas, CNJ mandou fechar os manicomios judiciarios, que beleza! E quem entra no trafico para ganhar status tem que bancar, pagar o preço. Simples assim.

  3. ‘É mão de obra barata e descartável, posta à disposição dos grupos criminosos, dentro e fora das cadeias.’ O ‘coitadismo’. A vitimização. Vermelhos defendem esta ideia. O Estado tem que resolver o problema (não resolve nem de quem trabalha). Na verdade é gente que fez uma escolha. Se olham os traficantes como ‘exemplo’ como dizem também veem alguns serem mortos ou presos. Sabem do bonus e do onus.

  4. Alas, a mesma pena do usuario tem quem ‘[…] para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.’ Ou seja, uma ‘hortinha’ não deveria dar nada. Alas, pena para trafico é 5 a 15 anos. Porém ‘[…] as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.’ Na teoria todo mundo poderia traficar uma vez que não daria nada.

  5. A ‘descriminalização’ do STF tem poucos efeitos (talvez não para o vapor que vai ter que dar muitas viagens). Talvez na primariedade. Qual a pena para o uso? Advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade, medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Classe media usuaria vai comemorar, o ‘estigma’, a reprovação social diminuirá. Muita gente que gosta de um cigarrinho do capeta e perde oportunidades profissionais por isto vai gostar (ninguém me contou, já vi acontecendo, ‘é um bom profissional, mas é maconheiro,não é confiavel’).

  6. ‘As prisões de pequenos traficantes só fazem alimentar a horda das facções.’ Isto é uma tremenda de uma cascata. Traficantes freelancer não existem. O crime organizado controla a cadeia logistica. Obvio. Gente presa por crimes não relacionados são minorias. Alas, dezembro de 22, numero de presos no Brasil, 832 mil. Horror, horror! Muita gente presa! Dai se começa a verificar os numeros. Presos fora de celas fisicas, com e sem monitoramento eletronico, 183 mil. Alas, traficante solto com tornozeleira eletronica voltando a traficar não falta no noticiario. Alas, para ficar preso no Brasil é necessario pistolão. Inicio do ano, justiça liberou com tornozeleira o Zoreia (com o perdão da cacofonia). Condenado a 240 anos de prisão. ‘Rei da Maconha’ do noroeste do RS. Ele rompeu a restrição eletronica e foi preso meses depois no Paraguai.

  7. No Uruguay o Estado assumiu o fornecimento de maconha. Grande novidade, não conseguiu suprir a demanda. Aconteceu uma explosão de violencia (trafico não ficou esperando São Sebastião). Coalizão de esquerda que governava o pais há decadas foi defenestrada do poder. Alas, cigarro contrabandeado é fonte de renda para o crime organizado. https://diariodorio.com/contrabando-de-cigarros-movimentou-r%EF%BC%84-439-milhoes-em-todo-o-estado-do-rio-de-janeiro-em-2022/

  8. ‘Como descriminalizar o uso (posse para uso) e seguir punindo o tráfico?’ Então a sugestão é descriminalizar o trafico? Uma anistia? A resposta para ‘desinchar’ as cadeias é descriminalizar? Na California um legislação aumentou para 950 dolares (era 400) o limite pelo qual os promotores tem discricionaridade para processar como crime ou contravenção. Estado ianque já vive uma invasão de usuarios de drogas, os saques em pequenos negocios dispararam.

  9. ‘[…] pequena quantidade de substância entorpecente para uso pessoal – talvez 50 gramas – não tem o condão de ferir a saúde pública, a tranquilidade, a segurança e outros bens jurídicos adjacentes.’ E a cracolandia em SP (só a mais famosa) é o que? Quando se fala em usuario de drogas, culpa da midia, ou se pensa na periferia ou na classe média (colegios, faculdades, intelectuais,etc.). O STF fica em Nárnia.

  10. Preliminares. Pessoal do juridico vive em Narnia. Os problemas são debatidos ‘em tese’. Pior, são ‘adivinhados’ no ar condicionado com a barriga esfregando na mesa. Segundo, santamariense tipico acredita que todo lugar é igual a aldeia. Para esta criatura o mundo termina em POA. Este é o horizonte. Lembrando sempre que chamar os outros de ‘tapado’ é falta de educação.

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