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OPINIÃO. Sandra Feltrin e o que ela considera “o discurso da razão cínica”. Sobra pra todo mundo

Recebi, e publico, artigo recebido da advogada e presidente local do PSOL (e também, não é demais lembrar, pré-candidata à Assembléia Legislativa), Sandra Feltrin, interessante arigo. O pano de fundo, mas não se trata só disso, é a tragédia acontecida no Rio de Janeiro, mais recentemente, e em outros Estados e comunas, um pouco antes. Acompanhe:

O discurso da razão cínica

Impotentes e perplexos temos assistido ao discurso da razão cínica, que se sabe falso, mas que, arrogante, é momentaneamente útil para justificar os fins pretendidos, eficiente para o pragmatismo de resultados, no qual não passam de mera aparência a verdade e a própria honestidade intelectual e moral. O discurso da razão cínica está presente nas justificativas das enchentes que matam os trabalhadores, tal como aconteceu em SC, SP, e, agora, no RJ. Os políticos de sempre responsabilizam os céus pelo caos que atinge as cidades e as vítimas, que teimam em ocupar estas áreas e resistem a deixá-las, mesmo na iminência de uma tragédia.

Ora, a manutenção de ocupações impróprias nas áreas urbanas é uma decisão política e é padrão nas cidades brasileiras.  Segundo a geógrafa Odete Seabra, “é justamente nas áreas rejeitadas pelo mercado imobiliário e nas áreas públicas situadas em regiões desvalorizadas que a população trabalhadora consegue se instalar; assim, as ocupações ilegais, como as favelas, são largamente toleradas quando não interferem nos circuitos centrais de realização do lucro imobiliário.” (Revista Caros Amigos, nº 156).

Aqui em SM, a construção da Perimetral D. Ivo Lorcheister serviu de mote para a então prefeitura do PT alardear a revitalização do Arroio Cadena. Na verdade o que se fez foi a simples canalização do arroio para aumentar o potencial imobiliário da área, loteá-la e valorizar as áreas próximas. Quem duvida disso deve observar o que prospera mais rapidamente ali: a pretensa revitalização ou os empreendimentos imobiliários.

Para viabilizar o lucro imobiliário, sob o manto da revitalização do Cadena,  afinal discurso ecológico rende votos, 60 famílias foram removidas das margens do Arroio para a construção da Perimetral. Foram transferidas para local provisório com a promessa de que em seis meses iriam para um local definitivo. Elas continuam esperando e vivem em péssimas condições de vida: o esgoto está a céu aberto, a luz só chega através de “gato” e os banheiros coletivos são inutilizáveis.

Assim, não é difícil entender o porquê de os trabalhadores não aceitarem o remédio da remoção, que é uma das possibilidades. A professora da USP, Raquel Rolnik, é enfática ao dizer que “casa não é quatro paredes e um teto, e pessoa não é uma coisa que você arranca de onde ela tem uma vida, de onde ela tem um emprego, de onde os filhos estudam, de onde ela está há cinqüenta anos, e a enfia num lugar qualquer.”

Portanto, não é por acaso, muito menos por um desígnio cruel de Deus, que as vítimas das enchentes sejam, esmagadoramente, os pobres. São eles que sofrem a ausência de política habitacional, porque não há oferta de alternativas aos que moram em áreas de risco, porque não há limpeza urbana adequada nas comunidades, porque não há manutenção em galerias pluviais e fluviais, porque não há educação ambiental para todos.

O discurso da razão cínica chega ao governo Lula. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou representação ao Procurador-Geral da República requerendo investigação sobre a liberação de recursos pelo Ministério da Integração Nacional, então dirigido por Geddel Vieira Lima, em menor percentual aos Estados mais prejudicados pelas enchentes. O Tribunal de Contas da União detectou que o Estado da Bahia teria recebido aproximadamente 65% dos recursos, sem observância de parâmetros técnicos e atendimento à legislação, com destinação ao semi-árido, enquanto que apenas 0,9% e 3% do montante foram repassados ao RJ e SC. Por uma peculiar “coincidência”, Geddel Vieira Lima deixou o ministério dias atrás para concorrer ao governo da Bahia em 2010. 

O discurso da razão cínica pode ser sustentado na emoção e no choro, como o de Lula, ao saber que o Brasil receberia mega eventos como os jogos Pan-americanos e, agora, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Tais eventos são instrumentos de transferência de dinheiro público para as empreiteiras financiadoras de campanhas eleitorais, que enxergam as cidades como lugar de negócios e o solo urbano como mercadoria. Em função desses mega eventos, grandes contingentes populacionais virão para as cidades, agravando o já debilitado espaço físico e trazendo outras tragédias humanas.

Pior de tudo é que o discurso da razão cínica não é privilégio dos políticos de sempre, mas também dos defensores do sistema do capital, que, diante de tudo isso dirão que este é o custo a ser pago para o desenvolvimento, do capital, é claro.

Por Sandra Feltrin – Advogada e Presidente do PSOL de Santa Maria”

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Um Comentário

  1. Perfeita a idéia contida no núcleo do artigo, no que tange à negligência do poder público durante anos e anos, com a questão da moradia nas médias/grandes cidades. O pensamento central do texto pode ser sintetizado pela avaliação da geógrafa Odete Seabra publicada na revista ‘Caros Amigos’.
    Na minha interpretação, o que a Sandra Feltrin quis trazer ao debate é o fato de que existe um setor da sociedade que nunca na história deste país, teve acesso à moradia digna, e que ao invés do poder público direcionar seus esforços para solucionar este problema, muitas vezes agiu como incentivador da especulação imobiliária e do crescimento desordenando das cidades. Diante disso, restaram aos excluídos, exatamente aquelas regiões em que não havia condições das construções imobiliárias prosperarem, em razão das características do local.
    Atentando à própria realidade de Santa Maria, há alguma inverdade na idéia que a ex-candidata à prefeitura municipal quis trazer?

  2. Caro Freud,
    Em resposta a tua pergunta, a proposta do PSOL para o Arroio Cadena é a sua revitalização, potencializando o poder de fiscalização da prefeitura, que deve proibir a emissão de esgoto, lixo residencial e industrial para dentro do arroio e seus afluentes, ao mesmo tempo em que deve oferecer à população uma boa rede coletora, educação ambiental e a recuperação da mata ciliar. Você deve concordar, meu caro Freud, que se a administração municipal passada pretendesse revitalizar o Arroio Cadena jamais iria construir em suas margens uma Perimetral. A Experiência de São Paulo com o Rio Tietê e de Porto Alegre com o arroio Ipiranga, por si só seriam suficientes para demonstrar a inviabilidade do empreendimento. Quantos aos recursos, os 30 milhões já investidos na Perimetral seriam mais que suficientes para a proposta de revitalização. Mas você poderia me perguntar: e a Perimetral, como ficaria? Aí a questão é de prioridade meu caro. O que não é correto, por isso “o discurso da razão cínica” é dizer uma coisa e fazer outra, ou seja, falar em revitalização do Arroio Cadena, como se a população de SM fosse ignorante, quando, na verdade, está a se construir uma Perimetral para beneficiar os investimentos imobiliários, atirando-se os pobres que ali moravam em qualquer canto, enquanto o Arroio Cadena continua recebendo o lixo e o esgoto. Sou grata pela oportunidade de manifestação.

  3. JOÃO DAMIAN : Desmobilizou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e desencorajou a mobilização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Mais do que criar condições para superar o capitalismo, o governo Lula optou pela sua reorganização.

    Respeitosamente questiono se o Sr. realmente acredita que um governo, qualquer que seja, tenha poderes para alcançar tais resultados?

  4. Não Freud, eu não fui adepto da “razão cínica”. Quem sabe um tanto ingênuo. Como outros tantos, esperava que a chegada de Lula ao governo viesse a demonstrar que através do fortalecimento progressivo dos movimentos populares, seria possível conquistar parcelas de poder e implantar as reformas estruturais. O PT assumiu o Estado com a promessa de continuar sendo um partido “organizador dos desorganizados”, mas acabou por se aliar à burguesia nacional e adotou um “projeto reformista” de integração do país ao mercado globalizado. Desmobilizou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e desencorajou a mobilização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Mais do que criar condições para superar o capitalismo, o governo Lula optou pela sua reorganização. No momento em que isto se tornou claro, não me restou outra alternativa senão a saída do governo e do PT. Nem todos têm a mesma percepção, e, mesmo quando as tem, estas não se dão no mesmo tempo histórico; basta observar que até hoje valorosos companheiros de esquerda continuam apostando que o governo Lula, ou seu sucessor, poderá implementar as mudanças que levem a superação do capitalismo.

  5. Nada é por acaso nesta terra, tudo tem um porque.É a lei de causa e efeito, ação e reação. E acho que como a sra. vê, não é bom ser politico, por isso desista. Porque certamente um dia tambem será julgada. é a tal lei de causa e efeito. abraços

  6. Pois é, por isso o PSOL não é o PT e quer distância do opotunismo petista. Também quer distância dos partidos da base lulista como o PMDB e da direita corrupta do PSDB…Se isso é ser radical, é um elogio.
    Sim, qual a solução para os sem teto, pela resposta de alguns pelo jeito defendem largar no mar ou jogar do precipício. Parece que se eles não fossem para essas ocupações teriam para onde ir. Um dito trabalhador acima parece dizer que os moradores dessas ocupações são um bando de desocupados, mas não são.
    O PSOL é um partido socialista, creio que o petista acima que não é socialista deve saber o papel do FMI. Os socialistas não querem melhorar o crédito, serem mais palatáveis… Por que ser assim? Isso os partidos tradicionais já fazem, seria melhor ficar dormindo e assistindo ao circo do mensalão do PT e do DEM. Será que dar nomes aos sujeitos políticos é radicalismo, para mim é transparência e sinceridade. Mas quem se alia com o diabo não entenderia o que digo.
    Se oportunismo é contestar e mostrar a cara, é bom ser oportunista, mas alguns seriam classificados inomináveis então… Eu deveria falar do Tubias Kalil e do pro-jovem, do Pimenta e Marcos Valério, da FATEC e da FUNDAE… Mas isso é ser oportunista.
    É bom saber que um partido ainda pequeno em Santa Maria já incomoda um pouco… Coerência e luta é isso. Mas para alguns isto é difícil entender, mas entende-se…
    O PSOL é feito daqueles que durante o governo Lula foram abandonando o PT com uma crítica política consistente, gostem os epígonos ou não. Portanto, incoerência para os socialistas é continuar no PT.
    Cinismo é o Lula negociar o fim da greve dos professorez em SP com o Serra do PSDB. Mas é tudo tão corriqueiro, tão necessário…Claro, para alguns.

  7. @Rose Pereira
    Pois é Rose, um dia quem sabe ainda veremos o PSOL governando uma cidade de médio porte ou quem sabe uma capital. Nesse dia então ficaremos livres de ler artigos como este, pois a tarefa de executar não permite delírios.

  8. acho que a amiga Sandra ainda lembra do fora já FMI, não pagamento da dívida, pois é eu era destes que achava que não deveríamos pagar a dívida externa, pois bem sou governo (LULA)e este CARA não precisou dar calote e até temos crédito junto ao FMI, para nós santamarienses nunca tivemos tantos investimentos na cidade desde o tempo do Sarney, o que ocorreu no rio de janeiro é por conta de políticos iguais aos que temos na cidade que apoiam ocupações em áreas verdes, de risco e bocas de ruas, se naõ for tratado estes problemas em breve teremos trágedia semelhante a do rio só em proporções menores, então chega de discurso fácil, demagogia para com o POVO. Buenas é tempo de ELEIÇÃO e todos os problemas tem soluções fáceis.

  9. Duas perguntas que não querem calar: qual a proposta da ex-candidata a prefeita Sandra Feltrin para o Arroio Cadena e de onde tiraria recursos para a pretensa proposta? E, quando o esposo dela, João Damian, esteve no governo Lula, em Brasília, se ele era adepto da “razão cínica”?

  10. ah oportunista ?e o pessoal do pt que mudou de discurso no decorrer dos anos…e do psdb não são oportunistas apenas fazem aquilo que é melhor para os empresários ou seja liquidar o patrimonio público.

  11. confesso q sou mei cético quanto a esse tipo de assunto, sou contra essa história de apoiar invasão, além de ser uma tática extremamente populista e desleal sou categórico quanto a necessidade de um ser humano conseguir algo através do trabalho e da sua contribuição para com a sociedade em que faz parte.
    Sou favorável sim a dar meios para que se trabalhe e conquiste o direito de ter um terreno, uma casa, que se crie meios de financiamento de baixa renda, novos loteamentos , linhas de créditos, cooperativas e trabalhos coorporativos.
    Mas é um absurdo dizer que é desumano as invasões, é sim! mas estão ali porque se propuseram a estar, ou alguém iludiu para que fossem para lá mas não de uma simples ingenuidade, sabiam o que encontrariam lá.
    Temos de acabar com essa história de que o estado é a mãe de todos, o governo depende de arrecadação para poder oferecer e prestar serviços a comunidade mas não adianta condenar a tudo e a todos e dizer que o governo tem culpa.
    Essa postura do PSOL é muito extremista e infantil, sonhar enquanto berra é fácil agora quero ver estar no governo, ser institucional e enfrentar não só a camada mais pobre e sim o empresário, o trabalhador e o aposentado.
    Ou vcs acham que estes que criticam o governo fazem voto a pobreza, claro que não, é fácil criticar e chegar em casa de pajero, morar em prédio de luxo e ter saldo no banco, nada o desespera.Quero ver trabalhar o dia inteiro, pagar aluguel, escola dos filhos, gasolina, luz, água e um monte de coisa que sempre nos surpreende no fim do mês assim ninguém aguenta!
    Ou vcs acham justo pra quem passa o dia inteiro na lida ter que ver alguém que ganhou de graça ter mais direitos que ele porque hoje é o que está acontecendo, quem paga imposto é que está pagando pelos pecados de uma administração populista e por táticas ilusórias e maquiavélicas de um PSOL meramente oportunista.

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