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A casinha – por Orlando Fonseca

A crônica é por assim dizer – e na falta do que dizer – uma gaiola, em que o redator intenta aprisionar um tema. Esses seres voláteis que cintilam na mente de alguns de nós, e depois ficam batendo asas em torno da nossa cabeça por alguns instantes, como se pedissem, suplicassem que o aprisionássemos. Não simplesmente para que o mantivéssemos em cativeiro, mas que lhe concedêssemos a glória de ser algo aparentado da arte, sublime, emplumado, cantante, para brilhar nas páginas do jornal – impresso ou digital -, como acontece com a vontade de muita gente.

Nem sempre o desejo do tal pássaro temático é entendido como deve. Em alguns casos, o cronista apenas – sem trocadilho – o aprisiona sem lhe dar o que poderia significar a glória esperada: a de ser literatura, de fazer do escriba um escritor e conceder prazer estético ao leitor. Mas quando um tema chega voando sabe-se lá de onde – e ele nem precisa singrar os céus, pode aparecer voando desde um recôndito misterioso desta floresta mágica na própria mente do cronista – deseja tão somente o que pretendem os seres voejantes: as alturas, o céu, o paraíso em que se constitui a vocação da arte, que é ser universal. Portanto, para que isso se constitua em sua plenitude, é preciso que se dê ao arranjo do tema preso o paradoxo de torná-lo livre para os mais altos voos. Sob pena – o trocadilho é infame, eu sei – de se conservar do que poderia ter sido, apenas o vestígio da existência de um pássaro – o que para a arte vem a ser um doença crônica – trocadilho é doença verbal compulsiva.

Nesses casos, o que se vê nas colunas do jornal é uma gaiola, com a porta aberta e o redator tentando desenhar o tema que lhe escapou. Alguns se notabilizam neste afã, conseguem dar ao leitor uma ideia fantástica do que era tal coisa emplumada e canora que lhe encantou a vida por alguns instantes. Na parede da sua humilde residência, o cronista convida o leitor a conhecer a sua gaiolinha sem pássaro, com pássaro.  E o faz com tanta eficácia que é como se o leitor pudesse ver ali ainda a avezinha a se mostrar em seu voo curto, nas frases melódicas que lhe escapam do bico. (Este trecho é para fazer um link com o pai de todos os cronistas, o conde e passarinho, Rubem Braga).

Para outros, no entanto, tal mister é simplesmente de indicar ao leitor os restos de alpiste no  chão forrado da gaiola, o pouco de água ainda no pequeno bebedouro, com muita sorte uma pequena pluma. Tenta fazer dos indícios de que dentro havia um habitante emplumado e canoro, mas o máximo que consegue é um pássaro empalhado. Há ainda os que decoram a gaiola deserta da melhor forma possível: fazem-na uma casinha cheia de enfeites, ou um palacete de arame dourado e de madeira nobre, com penduricalhos coloridos e cintilantes, invocam até mesmo o testemunho e a conivência dos outros membros da residência sem sucesso.

Quando a magia acontece de verdade, na casinha-crônica “tudo nada cabe”, como canta o Gil sobre o poeta – o cronista é primo distante desse tal. Sendo um prestidigitador virtual, manipula as palavras de modo a não só desenhar o pássaro que ali estava, como também a convencer o leitor de sua existência, das suas cores, do seu canto maravilhoso, do seu voo, enfim do tal ser plumoso, mavioso, vivo. Uma coisa é certa, quem vive dessa arte, vive fora da casinha.

DE FATOS E DIVERSÕES:

Moreira Franco -“Isso aqui tá parecendo rabo preso”. Cunha: “Eu sei, sou eu que tô segurando (foto Antonio Cruz/Agência Brasil)

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