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Mais SINATRA do que DYLAN – por Márcio Grings

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Se você ouviu falar por aí que Bob Dylan gravou um disco cantando Frank Sinatra, acredite – não é uma piada. O senso comum pode se pronunciar e dizer: quanta pretensão! Até por que muitos ainda torcem o nariz para sua voz fanhosa, que com o passar dos anos, tornou-se ainda mais rascante e inaudível aos não simpatizantes.

Porém, afirmo sem medo de errar que Dylan lançou um disco que certamente irá figurar na lista dos melhores de 2015. É, o baixinho cantando o THE VOICE pode parecer algo Inacreditável para muitos.

Em primeiro lugar, preciso citar um bordão de defesa a respeito de Frank:

“Quem não gosta de Sinatra não bebe no meu copo de uísque”.

Sou fã de carteirinha de Ol’ Blue Eyes. Já ouvi um lance tipo ‘ninguém com menos de cinquenta pode gostar de Frank Sinatra’. Bem, tenho 44 e ouço a música do homem há no mínimo uns vinte. Eis uma exceção à regra. Em especial, tem um trabalho que nunca sai do toca-discos lá de casa. Trata-se de “Watertown”, LP lançado em 1970, e que provavelmente seja sua contribuição mais duradoura para a cultura POP. Em contrapartida, por incrível que pareça, é também seu álbum apócrifo, esquecido inclusive por muitos sinatrólogos.

Watertown é feito do mesmo material que abasteceu Flaubert, Woolf, Hemingway, Joyce, Faulkner, e Tolstoy”, disse um jornalista americano sobre o disco.

Esse naipe de escritores parece viver tão profundamente suas realidades, que [aparentemente] não fazem nada para mudar a ordem natural das coisas. Contudo, esse aparente conformismo ganha amplitude e protesto na lupa daquilo que produzem. “Não faça nada contra mim ou eu coloco você na minha música”. E por sintomas semelhantes a esse, que “Watertown” pode ser considerado um dos álbuns mais literários da história da música POP. O que um pontapé na bunda não faz com a autoestima de alguém… Não é mesmo, Frank? Intimista, perturbador e revelador. Uma cidade pequena onde a chuva não dá chance ao sol. E tudo começa e acaba numa estação de trem.

Para muitos, a música de Sinatra combina com coquetéis e uma América de terno e gravata. Só que “Watertown” é um disco onde o contrabaixo elétrico poderia ter sido tocado por Paul McCartney. Orquestrações ganham semelhança aos arranjos de Burt Bacharah, e os vocais não ficariam desalinhados na voz de David Bowie. A guitarra muitas vezes enseja alguns riffs que cairiam bem em uma banda qualquer do final dos anos 1960. É quase um namoro com o rock. Quase…

Caras como Nick Cave e Elvis Costello já declararam publicamente sua paixão por este conjunto de canções. Imagine um cara andando sem rumo em torno de sua casa. Ele pode estar nos Estados Unidos, na Argentina, na França, aqui em Santa Maria. Conceitual, “Watertown” relata a saga cotidiana de um homem atormentado pela ausência da esposa. Um tema que rompe com a tradição de Sinatra como um romântico triunfante. Imagine o protagonista dessas canções como um sujeito que olha para fotos antigas com olhos marejados. Um homem que assiste imóvel no desconforto de sua poltrona, a ação ininterrupta dos ácaros e do sol desbotando o tapete da sala. Você já viu esse filme, não é? E todas as tardes ele vai até a estação de trem da cidade na esperança de que a amada, quem sabe desembarque de algum vagão. E isso nunca acontece. Michael e Peter, seus dois filhos, também sentem saudade da mãe. Ela morreu ou os abandonou? Isso não fica muito claro.

“Watertown” é uma obra triste bonita que merece luz. Ouça-o.

Voltando a Dylan, dentro desse carrossel de sentimentos que nos possuem quando ouvimos algumas canções, há uma triste constatação. Batizado de “Shadows in the Night”, Infelizmente Bob não colocou nenhuma canção de “Watertown” no seu disco em homenagem a Frank. No entanto, o tema é o mesmo: saudade. Um saudosismo desenfreado de alguém que se foi e talvez nunca mais volte. Eu me lembro de um amigo, Luiz Vidal. Um dia ele me disse com lágrima nos olhos: “Eu nunca quero sentir saudade”. O disco de Dylan, como o nome já entrega, foi planejado para audições em noites e madrugada insones. Trilha sonora para garçonetes recolherem os copos antes de o último cliente pagar a conta, ou de um leão-de-chácara expulsar algum bêbado encrenqueiro que está morrendo de saudades de alguém.

E sim, ele canta lindamente as dez canções que escolheu para homenagear o velho Frank. Basta a audição de “I’m a Fool to Want You”, primeira música do Lado A, para que o ouvinte seja arrebatado e entenda que há ‘alma’ nesse troço. Quando receber o meu exemplar de “Shadows in the Night”, já sei ao lado de que disco ele vai ficar posicionado.

Preciso comprar uma nova garrafa de uísque.

*****

Próxima segunda-feira no site http://www.ontherockswebradio.com/ leia a resenha sobre as primeiras impressões de “Shadows in the Night”, disco de Bob Dylan que será lançado na terça-feira (03/02).

Um Sinatra e um Dylan pra fechar nossa história de hoje.

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