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Simples – por Bianca Zasso

Bombas, lutas, sangue jorrando, máquinas modernas, monstros gigantes, milhões de dólares, bilhões de espectadores. Há quem dê mais valor aos números que compõem um filme do que ao filme propriamente dito. Também pudera, já que a geração que agora está criando filhos e tomando juízo (será?) viveu sua juventude nos primórdios dos blockbusters e das produções que valorizavam os efeitos especiais.

Da metade para o final dos anos 70, surgia uma nova geração de diretores que trazia consigo uma bagagem de primeira. Ao mesmo tempo em que admiravam a política autoral defendida pelo movimento francês da Nouvelle Vague, que movimentou o cenário cinematográfico nos anos 60, nomes como George Lucas, Martin Scorsese, Steven Spielberg e Brian de Palma também queriam ganhar dinheiro com seus filmes.

Diferentemente de seus antecessores, que aprenderam cinema na prática, esses então garotos haviam freqüentado os bancos das faculdades de cinema. O resultado foi quase uma década de filmes criativos e inteligentes e que encheram os bolsos de seus diretores. O problema é que muitos dos “filhos” desta turma esqueceram a parte do criativo e inteligente e se preocuparam apenas com os bolsos cheios. O resultado foi uma série de produções cheias de efeitos e com pouca história.

Pensando sobre os resquícios dessa geração genial que foi a da década de 70, logo me veio à mente que a base para um bom cinema está na simplicidade. Os grandes clássicos do cinema, mesmo os épicos religiosos e os filmes de terror e ficção científica, todos precursores no uso de efeitos especiais, tinham por trás de truques e maquiagem pesada uma boa história.

Dois exemplos clássicos de que ser simples pode rimar com ser genial são os filmes Ladrões de Bicicleta, de Vittorio De Sica e O Garoto, de Charles Chaplin. De um lado, a Itália do pós-guerra. Do outro, um vagabundo inglês e seu coração de manteiga. Para unir os dois, o ingrediente mais antigo quando o objetivo da receita é emocionar: a família.

Ladrões de Bicicleta, um dos filmes mais amados e lembrados quando o assunto é o movimento do neo-realismo italiano, nos apresenta a trajetória de um pai de família que depende de sua velha bicicleta para trabalhar. Quando seu meio de transporte e sustendo é roubado, inicia uma verdadeira odisséia de pai e filho pelas ruas de uma Roma pobre e ainda ecoando os gritos da guerra. Como era tradição dentro do neo-realismo, o elenco de Ladrões de Bicicleta é composto por atores não-profissionais, o que colabora para que um clima ainda mais emocionante. O rosto comum, igual a muitos que vemos todos os dias, tomam conta da tela e é quase impossível não torcer pelo pai, interpretado por Lamberto Maggiorani. e seu filho, vivido por Enzo Staiola, tão encantador que seu rosto infantil porém sisudo, a face típica dos pequenos que presenciaram os conflitos armados, fica impregnado em nossa mente durante dias e dias. Como disse o diretor do filme em uma entrevista, Staiola é a criança mais adorável do mundo. Mas uma outra criança também disputa este posto.

Jackie Coogan, intérprete do menino abandonado de O Garoto tem um dos rostos mais doces do cinema. Os planos malucos criados por ele e Charles Chaplin para conseguir dinheiro geram cenas inesquecíveis, como aquela em que o menino quebra os vidros das casas para que seu companheiro de jornada possa consertá-los e garantir o dinheiro do mês.Outro momento memorável é quando Chaplin encara uma perseguição pelos telhados da cidade para impedir que o menino seja levado para um orfanato. O mais curioso nesta que foi uma das primeiras comédias com toques dramáticos do gênio Chaplin é o fato das filmagens terem começados alguns meses depois do falecimento do filho recém-nascido do diretor. Segundo algumas biografias, o fato fez com que Chaplin trouxesse para trama elementos de drama e sequências carinhosas, quando a idéia original era que o filme fosse uma comédia rasgada sobre um vagabundo e seu ajudante mirim.

 Ladrões de Bicicletas e O Garoto podem parecer bobos para quem está acostumado a imagens de tirar o fôlego e efeitos de computação gráfica que dão vertigem. Nada contra produções deste tipo, esta que vos escreve também adora uma imagem grandiosa produzida em estúdio. Mas duvido que alguém esqueça os olhares presentes nas obras  de De Sica e Chaplin. Olhares que todos nós vamos presenciar nem que seja por apenas um dia durante a vida. Olhares como o seu e o meu. Simples assim.

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