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Maria Papelão, a editora cartonera de Santa Maria – por Atílio Alencar

Surgidas no início da década passada na Argentina durante o colapso econômico que assolou o país, as editoras cartoneras vêm se difundindo na América Latina como alternativas à lógica restritiva do mercado editorial, opondo criação coletiva de baixa tecnologia ao universo opulento das grandes editoras. Herdeiras das práticas da literatura marginal dos anos 60/70, as cartoneras atualizam as estratégias de difusão literária numa combinação de frescor artístico, precariedade de suporte e problematização das atuais noções de propriedade intelectual, incidindo diretamente na democratização da produção e acesso aos livros.

Em Santa Maria, desde 2013, uma experiência filia-se à rede cartonera, em que o passo-a-passo da materialização do livro é resultado de mutirões entre os integrantes da editora. A Maria Papelão Editora (cujo batismo levou em conta a referência popular e geográfica do nome Maria, associado ao material comumente utilizado na produção dos exemplares cartoneros) nasceu como um desdobramento da Estrela Cartonera, editora responsável pelo lançamento de ‘Para uma nova didática do olhar’, obra do escritor santa-mariense Odemir Tex Jr, no início desse ano.

Formada por uma equipe editorial com seis integrantes – basicamente, alunos e um professor do Curso de Letras da UFSM – e mais uma dezena de colaboradores, a Maria Papelão, nas palavras dos próprios editores, tem a intenção de “provocar ruídos” no meio literário da cidade. “Da linha editorial à linha de montagem, todos os processos são decididos e solucionados coletivamente”, diz Julio Souto, estudante de origem espanhola com residência partilhada entre Santa Maria e Porto Alegre.

A intenção provocativa fica clara nos posicionamentos assumidos pelo grupo, tanto no que diz respeito ao direito autoral (em linhas gerais, a Maria Papelão é coerente com a ideia de flexibilização dos direitos sob licenciamento do tipo Creative Commons, que visa desobstruir o compartilhamento de obras artísticas e científicas) quanto nas críticas ao universo glamourizado da literatura. Nas palavras do professor venezuelano Fernando Villarraga-Eslava, “em Santa Maria, salvo raras exceções como (o escritor) Tex, a literatura é mais uma questão de status social do que de ofício criativo”.

O début oficial da Maria Papelão aconteceu no dia 31 de outubro passado, no Café Cristal, com o lançamento do livro ‘Tempo embalado para apodrecer’, da jovem autora Luiza Casanova, que também integra o time da editora cartonera. “Trata-se de uma novela, de um processo de pesquisa em escrita resultante de uma oficina que participei com o escritor Alcy Cheuiche. Eu nunca pensei em disputar espaço nas grandes editoras, prêmios, essa coisa toda; eu só mostrei meu trabalho pro grupo, a avaliação foi positiva e decidimos que o meu livro vai ser o primeiro laboratório da Maria Papelão.”

Sobre a mesa do café onde conversei com o cartoneros, vários exemplares – alguns finalizados, outros ainda em progresso – ilustravam a proposta estética da editora: as capas de papelão reciclado contêm o nome do livro em gráficos singulares, desenhos mais ou menos elaborados, manchas de tinta acidentais. Nada a ver com o padrão bem-comportado dos livros que costumamos ver nas prateleiras das livrarias – embora algumas editoras convencionais já tenham mapeado nas cartoneras uma “tendência” explorável comercialmente.

As formas de viabilização das publicações cartoneras tampouco respeitam uma regra única, como atesta a fala de Julio sobre os acordos com cada autor. “A gente é aberto à propostas, depende de cada caso. Para esse primeiro livro, conseguimos um patrocínio pequeno, que garantiu boa parte das impressões. Para o futuro, pretendemos estabelecer parcerias com cooperativas de reciclagem. A ideia é que o autor não arque com nenhum custo, e a tiragem seja dividida em partes pré-acordadas entre o escritor e a editora.”

Depois da novela inaugural da Maria Papelão, houve ainda o lançamento de ‘Estilhaços de Rodolfo Walsh’, um trabalho de jornalismo investigativo assinado por Iuri Muller. Para breve, está prevista uma série de lançamentos que deve manter a agenda dos cartoneros bastante movimentada. Entre os títulos em avaliação, obras de jornalismo, poesia e uma compilação de rimas de um rapper local são candidatos a passar pela manufatura do coletivo.

Ao mesmo tempo comprometidos com a causa do compartilhamento artístico e despretensiosos em relação ao alcance mercadológico da editora, os cartoneros parecem orientar-se pelo lema lírico “distraídos venceremos”, do célebre marginal Paulo Leminsky. Entre o riso solto do grupo, as previsões são de um otimismo lúdico para o futuro breve: lançar os próximos títulos da Maria Papelão e aperfeiçoar o talento inato dos integrantes da editora na confecção de capas de livros.

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