Sinatra e o vício – Bianca Zasso
A escola onde estudava sempre promovia palestras sobre o perigo das drogas, fossem elas lícitas ou não. Lembro também que sempre eram mostrados vídeos e às vezes filmes inteiros sobre o tema. Confesso que todo o discurso do palestrante, por melhor que fosse, era esquecido quando as cenas surgiam. A imagem é muito mais impactante que a palavra, todos nós sabemos.
Filmes que tratam do vício em drogas existem aos montes, desde os mais didáticos até os poéticos, onde as “viagens” causadas pelo ácido ou a maconha são mostradas por meio de cenas coloridas e psicodélicas. Quase sempre o protagonista é um jovem que, no auge da rebeldia, experimenta drogas para fugir dos problemas familiares ou simplesmente para se enturmar.
Leonardo DiCaprio conquistou a crítica ao interpretar o poeta Jim Carroll em Diário de um adolescente e Natja Brunckhorst protagonizou cenas emblemáticas em Eu, Christiane F. 13 anos drogada e prostituída. Isso sem contar as várias cinebiografias de astros do rock que foram até o fundo do poço e deixaram o mundo no auge da fama, a exemplo de Jim Morrison em The Doors, de Oliver Stone.
Mas e quando o viciado mostrado na telona é um homem charmoso, dono de um par de olhos azuis que causava suspiros nas plateias femininas e matava de inveja os homens de sua época? Acreditem, senhoras e senhores, Frank Sinatra protagonizou uma das melhores histórias sobre vício da Sétima Arte.
O homem do braço de ouro, lançado em 1955, tem direção de Otto Preminger, um austríaco que, assim como muitos outros colegas europeus, deixou sua terra natal fugindo do fascismo e foi tentar a sorte em Hollywood. O homem do braço de ouro é a história de um ex-detento que ganha uma nova chance.
Após deixar a prisão, Frankie Machine busca um emprego honesto, a chance de recuperar a amizade de Molly, interpretada pela lindíssima Kim Novak precisa lidar com a culpa por não amar mais sua esposa paralítica. Mas a crise assola a América e logo ele se vê tentado a voltar para sua antiga função, a de croupier em salões clandestinos de pôquer. Porém, o seu maior problema não é o trabalho proibido. As cartas do jogo lhe trazem de volta a tentação da heroína.
Na época do lançamento do filme, falar sobre drogas, sexo e traição era incomum no cinema americano. O Código Hays ditava as regras de boas maneiras na tela grande e a Motion Picture Association of America proibiu o uso de seu selo no material de divulgação do longa.
O homem do braço de ouro foi um filme pioneiro, mostrando um cidadão comum que luta contra seu vício de forma realista. A cena em que Frankie tem uma crise de abstinência e é trancado em casa por Molly é uma das melhores do filme graças à direção segura de Preminger e a entrega singular de Frank Sinatra. Após uma fase sofrendo duros comentários da crítica especializada, o ator e cantor conseguia finalmente mostrar que podia ir além dos musicais românticos e dos gângsteres charmosos.
Outro ponto que torna O homem do braço de ouro um clássico é sua trilha sonora. O ritmo inconfundível das composições de Elmer Bernstein dita o tom jazzístico da trama e colabora para a atmosfera de pânico nas cenas mais fortes. A apresentação dos créditos, criada pelo talentoso Saul Bass, tornou-se uma marca registrada influenciando a abertura de produções do spaghetti western e também o movimento da Pop Art.
Os vícios dos anos 2000, retratado em produções como Réquiem para um sonho, de Darren Aronofsky é muito mais chocante que o mostrado em O homem do braço de ouro. São outros tempos e esta parece ser uma geração onde tudo tem que ser escancarado e reproduzido com riqueza de detalhes. Na década de 50, a censura impediu que Sinatra protagonizasse cenas mais pesadas, com direito e agulhas e muito sangue. Mas se não fosse a aparente inocência de O homem do braço de ouro, você, caro espectador, jamais teria acesso a essas imagens tão realistas criadas por Aronofsky e companhia.
Se os filmes ajudam a afastar as pessoas das drogas, isso é uma incógnita. O que é certo é o poder viciante do cinema.
O homem do braço de ouro (The man with Golden arm)
Ano: 1955
Direção: Otto Preminger
Disponível em DVD
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