Uma sentença, o pastor e a piada – por Vitor Hugo do Amaral Ferreira
A cena é por certo curiosa, imagine-se em um culto religioso em que o pastor exalta aos seus fiéis a palavra de Deus. Eis que ecoa no templo anedotas e piadas picantes ao som e voz do humorista Ary Toledo. Improvável, mas possível. Esta é a questão em comento, e que fora objeto de decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Em síntese, trata-se de pastor que comprou CD de música evangélica para utilizar em culto religioso, quando fez uso do produto, já em exposição diante dos fiéis, constatou que o conteúdo do CD era de piadas e histórias picantes.
O fato real trata de decisão em ação de reparação por danos extrapatrimoniais que foi confirmada pelo TJRJ, condenando em R$ 2 mil reais a empresa NovoDisc Mídia Digital da Amazônia por vício do produto.
Disso, a Lei n. 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor (CDC), compreende as relações de consumo como objeto, sendo que sua tutela específica limita-se aos consumidores. Para tanto, a doutrina consumerista aponta claramente os elementos da relação de consumo, definindo-os em consumidor, fornecedor, produto e serviço.
Do conceito standard de consumidor, no art. 2º, CDC, temos por regra toda pessoa física ou jurídica que adquire um produto ou utiliza um serviço como destinatário final. Fato que sem maiores abstrações dogmáticas, ou mesmo sem adentrar em outros conceitos possíveis, permite evidenciar no caso em tela, o pastor como pessoa física que adquiriu produto (CD) como destinatário final. Evidente a aplicação do CDC configurando-se os elementos da relação de consumo. Por certo, sobrevém o disposto no art. 6º, VI, em que resta como direito básico do consumidor, entre outros, a efetiva prevenção e reparação dos danos individuais.
A responsabilidade do fornecedor, por sua vez, é objetiva, obrigando o fabricante, independentemente da existência de culpa, a reparar os danos decorrentes dos defeitos da fabricação. Assim, diferente de defeito, o caso reflete vício do produto com fulcro no art. 18, CDC; ou seja, os fornecedores de produtos respondem também pelos vícios decorrentes da disparidade, com as indicações constantes da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária.
Ainda que engraçado o fato, é legítima e coerente a decisão. Do contrário, viraria piada. Certo?
Vitor Hugo do Amaral Ferreira
@vitorhugoaf
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