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ENTREVISTA. A polícia fez sua parte, diz Arigony. Ele quer deixar Delegacia Regional, mas não Santa Maria

Em 22 de março, a apresentação do relatório, com a responsabilização de quase 30 pessoas
Em 22 de março, a apresentação do relatório, com a responsabilização de quase 30 pessoas

Trata-se da melhor e mais abrangente entrevista feita com o delegado regional de polícia, Marcelo Mendes Arigony. Seu autor, o repórter Luiz Roese, que a viu publicada neste final de semana, no jornal A Razão.

O que não faltou, nos últimos dias, foi diz-que-diz em torno da figura do profissional de polícia que, por razões óbvias (afinal, não é todo dia que acontece uma tragédia vitimando quase 900 pessoas, das quais 241 mortas), se colocou em evidência nos últimos dois meses.

Vale, com certeza, conferir o material abaixo. As fotos são do próprio Roese (a da apresentação do inquérito) e deste editor. Esta, tirada poucos dias depois da tragédia, em frente ao Hospital de Caridade, num momento em que Arigony acompanhava as autoridades que estavam com o ministro da saúde, Alexandre Padilha. Acompanhe:

Arigony, poucos dias após a tragédia, em frente ao HC. O trabalho policial recém-começava
Arigony, poucos dias após a tragédia, em frente ao HC. O trabalho policial recém-começava

Marcelo Arigony não quer deixar Santa Maria

…A maior missão da vida do delegado regional de Polícia Civil, Marcelo Mendes Arigony, ainda não terminou. O inquérito sobre a tragédia da Boate Kiss, que causou a morte de 241 pessoas e deixou centenas de feridos, foi concluído no dia 22 de março, mas o caso não terminou, seja porque ainda há investigações sobre o fato a cumprir, seja porque as relações pessoais e profissionais ficaram abaladas.

Foi justamente na cidade onde Arigony nasceu e se formou que tudo aconteceu. Filho de um agente policial que depois se tornou delegado, ele sempre batalhou por uma transformação na Polícia Civil. E já viu muito acontecer. Para se ter uma ideia, chegou a comprar um computador para uma delegacia pela qual passou em Santa Maria. Hoje, essa necessidade não existe mais. 

Arigony começou a trabalhar aos 15 anos no Banco do Brasil, como menor auxiliar. Depois de um concurso interno, seguiu carreira na instituição, onde ficou por 10 anos. Muito por influência do pai, ingressou no curso de Direito da UFSM quando ainda era bancário.

Depois de passar em concurso público para delegado de Polícia Civil, a carreira começou em 1999, por Rio Grande e Porto Alegre. Depois, na terra natal, Arigony passou por várias delegacias – incluindo a 1ª DP, da qual seu pai também foi titular. Depois de mais uma passagem por Porto Alegre, em 2010 assumiu como delegado regional de Santiago, onde ficou por um ano.  O retorno para Santa Maria foi também como delegado regional, cargo que ocupa há pouco mais de dois anos.

Sem receber qualquer gratificação pelo cargo que ocupa, Arigony é um idealista: acredita em um mundo melhor, em pessoas melhores, em uma polícia melhor. Durante o inquérito da tragédia, conseguiu passar esse recado várias vezes e provar que sua dedicação era uma prova disso. Agora, quer um pouco de sossego. E não tem planos de sair de Santa Maria, terra que ama. Para os partidos que estão de olho em uma possível filiação de alguém que ganhou notoriedade, podem desistir. Enquanto ele for delegado –e ainda faltam sete anos para se aposentar –, o partido de Arigony é a Polícia Civil. E olha que ele foi nomeado delegado de polícia regional, por siglas adversárias. Confira a seguir trechos da entrevista dada com exclusividade para o jornal A Razão: 

 A Razão – Delegado, passado mais de um mês da conclusão do inquérito policial sobre a tragédia na Boate Kiss e depois da denúncia do Ministério Público sobre o caso, qual o sentimento que fica?

Marcelo Arigony – Passado o turbilhão, a gente ainda tem bastante serviço pela frente. Na verdade, não conseguimos descansar ainda, porque na sequência da conclusão do inquérito policial, houve diversas diligências, com relação ao encaminhamento das cópias do inquérito, teve a visita à comissão externa da Câmara dos Deputados. Nós não conseguimos parar. E agora estamos remontando uma equipe mínima para atender todas essas diligências do Ministério Público. A gente pretende atender da maneira mais rápida possível para municiar o Ministério Público, que é o dono da ação penal, para que ele possa movimentar essa ação penal da melhor maneira possível.  Além disso, nós temos alguns fatos periféricos, que nós já dissemos  no próprio corpo do relatório (final de investigação), que obviamente não conseguiríamos, nesse prazo exíguo de tempo ,  elucidar todas as circunstância. Então, alguns outros fatos que eventualmente caracterizem ilícitos, serão agora investigados, na medida do possível, após o atendimento das diligências pedidas, por uma equipe que estamos montando para isso.

Passado esse turbilhão, eu diria que a gente tema sensação de que nós cumprimos com nosso mister. A Polícia Civil, pelos cinco delegados e pelos 27 agentes que trabalharam, com alguns colaboradores de outras instituições, desempenhou o seu papel. Nós conseguimos dar aquelas respostas que eram esperadas de nós. Pelo menos essa é sensação que a gente tem. Em determinado momento logo após o fato, houve um panelaço aqui em frente à delegacia (regional, na Rua Alberto Pasqualini). A população se juntou aqui na frente da delegacia e foi até a prefeitura e até a Câmara de Vereadores, pedindo justiça. Naquele dia, contrariamente aos conselhos que me deram para que não descesse, eu desci. Peguei um megafone e disse para as pessoas que, da Polícia Civil, eles podiam ter certeza que teriam respostas sobre o fato e que todas as circunstâncias seriam esclarecidas.

Foi isso que eu disse. Isso foi muito mal interpretado, por gente que tinha interesse espúrio. Depois se apresentaram contra mim usando isso, e nos criticaram dizendo que “o delegado Arigony havia se juntado à manifestação por justiça”.  Eu nunca me juntei a manifestação por justiça. Nós simplesmente fomos para dizer, e foi isso que eu disse, que da parte da polícia o trabalho seria feito.  Quanto às demais instituições, não cabe a mim. E foi esse o compromisso que assumimos já nos primeiros dias. E chegamos ao final do inquérito policial fazendo o que a polícia tem que fazer.  Essa questão do indiciamento é um dever da autoridade policial. Tecnicamente, quem estuda direito processual penal sabe minimamente que, havendo indícios de autoria, a materialidade do caso está escancarada nas 241 mortes e nas centenas de feridos.

Os indícios  de autoria foram carreados para os autos, nos quase 900 depoimentos. Toda a prova, toda as diligências, todas as perícias foram encontrados indícios de autoria nas 28 pessoas que foram apontadas. Algumas com indícios de responsabilidade na seara penal,  umas na seara civil, administrativa e até remetemos cópias para o Legislativo das três esferas visando às repercussões políticas disso. Nosso compromisso era esse: esclarecer todas as circunstâncias. Foram esclarecidas. Ao final, nós apontamos 28 pessoas com indícios de responsabilidade, algumas criminalmente, outras na esfera da improbidade administrativa. Isso foi encaminhado para o Ministério Público, que faz um filtro. Sempre lembrando isso: para o indiciamento, nós precisamos de indícios razoáveis de autoria. E isso nós temos escancarado no inquérito policial.

Os requisitos da denúncia já são outros. Além disso, nós precisamos de viabilidade probatória, justa causa para ação penal e outras circunstâncias. E depois o Judiciário vai julgar e fazer um novo filtro em relação à denúncia. Então, a nossa sensação é de dever cumprido. Lembrando que nunca pessoalizamos em relação a ninguém. Algumas pessoas, com nítido interesse partidário, imputaram a nós exatamente aquela conduta que pautava o agir deles. Aquelas pessoas que ficaram descontentes com o nosso trabalho são aquelas pessoas que têm algum interesse no caso. Isso é claro e escancarado.

A Polícia Civil trabalhou da forma mais imparcial que conseguiu. Nós trabalhamos ombreados com todas as instituições. Com a OAB, A Defensoria, com os advogados dos investigados… A imprensa nos acompanhou passo a passo. Nós procuramos fazer da maneira mais transparente. Assim que o inquérito foi concluído, o relatório final de investigação foi colocado no site da polícia. Sabemos que ainda temos um grande trabalho pela frente. Lamentamos muito o que estou chamando de “solavanco institucional”.

Eu sou delegado de polícia regional em Santa Maria há dois anos e alguns meses e antes fui delegado regional em Santiago. E eu me considero uma pessoa de muito sucesso nas minhas gestões, especialmente por uma circunstância: a busca de uma aproximação com as outras instituições públicas e privadas. Isso denota transparência, as coisas fluem melhor. E agora essas relações com as outras instituições ficaram, de certa forma, prejudicadas.

Estamos vivendo um momento de ferida aberta. A Polícia Civil acabou apontando. Esse é o nosso trabalho. As pessoas têm que entender. Nós não tínhamos outro caminhão senão apontar as responsabilidades. Então nós apontamos agentes públicos, de outras instituições, de maneira que as relações do delegado Arigony ficam prejudicadas nesse ambiente de Santa Maria. Ambiente no qual eu vivo e convivo há muitos anos.  A gente fica com a consciência do dever cumprido, mas um pouco triste e preocupado com essa questão institucional, de ter apontado gestores de tantas forças que isso prejudica um pouco o trabalho.

A Razão – Como o delegado Arigony encarou o fato de que alguns críticos falaram que o inquérito foi político?

Arigony – Eu fui promovido pelo governo do PSDB e nomeado delegado regional de Polícia pelo governo do PSDB. O meu partido sempre foi a Polícia Civil do Rio Grande do Sul. Tanto que tenho relações com pessoas de todos os partidos. Pelo menos até o começo do inquérito Kiss, eu tinha esses contatos. Falava com parlamentares de todos os partidos. Porque sempre primamos por uma gestão técnica.

Aqui e na liderança das instituições, eu já falei isso para o governo, o político tem que ter o técnico. O político tem que estar lá no lugar dele, mas, tocando o barco, tem que haver um técnico. Óbvio que o técnico tem que andar na linha de governo. A linha do tipo: fazer operações policiais, combater as agressões contra mulheres… Essa são as linhas de governo. Mas quem tem que fazer, dizer como isso vai ser feito, é o técnico.

Eu sou um gestor técnico, que segue diretrizes maiores de uma política de governo, mas estou trabalhando nessa técnica, com isenção e imparcialidade. A maior prova disso é que quem criou o delegado regional Marcelo Arigony foi o governo do PSDB, que me colocou em Santiago, e voltei para Santa Maria neste outro governo. Nunca tive influência política dizendo que não devia investigar A ou B, até porque sabem que, pela minha postura, eu não faria e, provavelmente, colocaria o cargo à disposição…”

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3 Comentários

  1. Esta sensação começa a ser sentida longe de Santa Maria, onde outras notìcias tomaram o tempo antes dedicado a tragédia de Santa Maria. Nós estamos testemunhando, vendo a dor dos sobreviventes e familiares, tendo que ver aquela coisa que chamam de CPI aparecer na nossa mídia,…mas a coisa está murchando.

  2. Como assim Marcelo Arigony “delegado Regional de POLÍTICA”!!!????? (NOTA DO SÍTIO – uma leitora perspicaz conseguiu, e foi a única, a perceber o ato falho, o equívoco ou simplesmente a burrice do editor. Ah, seja o que for, acaba de ser corrigido, por conta do alerta da leitora)

  3. Uma bela entrevista. O pior é que, mesmo com todo o bom trabalho da Polícia Civil, eu estou com a sensação de que tudo vai ficar como dantes. O crime da boate não teve culpados. A não ser os que já estão presos. Nada aconteceu. Ninguém prevaricou. E a vida segue. Eu só vejo uma saída, que é os familiares das vítimas se organizarem e fazerem grandes movimentos na cidade. Se não for assim, a boate Kiss se tornará apenas mais um incêndio com algumas vítimas ou seja, tão somente uma fatalidade.

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