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Reflexões intimistas e materialistas – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa

Sou o quero ser, porque possuo apenas uma vida e nela só tenho uma chance de fazer o que quero. Tenho felicidade o bastante para fazê-lo doce e dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana e esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não possuem as melhores coisas, elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos.

Clarice Lispector

Aqui no espaço onde escrevo é uma linda e gigantesca varanda. Flores e folhagens de todas as espécies dão um lindinho entorno estético para minha solidão e silêncio e para meu inorgânico computador. Esta imensa varanda mais parece um antropológico mirante.

Vejo pombinhas de todas as cores catando sua comidinha na calçada e na rua asfaltada. Vejo todo tipo de passarinho com sua linda liberdade de ir e vir. Vislumbro os verdes morros que circunscrevem nosso bairro. A minha esquerda o morro possui, para meu singelo olhar, formato de um robusto rosto masculino. A direita de minha varanda, feito mirante, vislumbro um belo morro com o formato de um lindo seio de uma mulher amada. A “Cidade Maravilhosa” é o lugar que está submerso este meu pequenino, mas lírico cenário.

A imponência dos verdes morros combina e dialetiza com as folhagens e flores desta maravilhosa e convidativa varanda. Da decoração posso verificar que o ato de amar foi elemento fundante e mediador para sua realização. Minha amiga Priscila que veio aqui passar uns dias falou que a casa onde, hoje, estou tinha semelhanças com uma casinha de boneca. Verdade pura.

Para não ficar na narrativa sobre morro, pássaros e flores falemos, na incomensurável generosidade das pessoas que habitam essa casa confortável e grande. Sem nenhum prurido o amor flana e reina escancaradamente nesse lugar. Aqui se materializa aquela máxima de Albert Camus: não ser amado é uma mera contingência da vida; não amar é a grande desgraça.

Para ser franco: esta varanda, os morros, as flores, os pássaros, a decoração e os seres humanos que aqui habitam são um magnânimo convite para reflexões intimistas. Parafraseando o Grande e inconfundível Machado de Assis, eu diria que este lugar é um catalisador para irmos de encontro com “nossa alma interior”.

E nessa vida onde o pragmatismo, o individualismo, consumismo e o egoísmo capitalista absorvem todas as entranhas de nossas vidas, como é salutar, para nossa sanidade mental, fazer, na cotidianidade, reflexões e realizar viagem para nosso mundo interior.

E aqui estou neste paradisíaco lugar tentando arrumar minhas gavetas, acertar meus botões e buscando reconhecer os fantasminhas que atormentam os porões de minha fatigada alma. Não nos damos conta, por vezes, mas em nossa construção histórica na e com a vida, os danados dos fantasmas vão se acumulando, fazendo barulho e infindos estragos em nossa travessia da vida.

De um eu menino que pouco ligava para espaços e tempos, virei um adulto repleto de dúvidas, incertezas, incompletudes, idiossincrasias, medos e dúvidas. O lugar, o mundo, a estrutura social, o compromisso e a inexorabilidade do tempo tomaram conta de minha vida, e muitas vezes, torna-se essência.

Usando o existencialismo de Clarice Lispector eu poderia afirmar que, em nosso vir-a-ser os medos bobos vão fazendo com que nossas coragens absurdas, paulatinamente, vão sucumbindo. Vamos, infelizmente, vivendo de representações e convencionalismos. Como diz a poetisa Ana Melo: vamos nos produzindo através de “universos paralelos”. A sociedade do consumo, e seus ideólogos, desmaterializaram as relações sociais que vivemos em nossa vida prática. Querem, os ideólogos da vida egoísta, que não sejamos mais seres de práxis, isto sim, querem tornar nossas vidas meros simulacros.

A Ana não é mais Ana, O Luiz não é mais Luiz, a sociedade egoísta, semanticamente, hoje, nos categoriza como consumidores. Viramos, de forma absurda, objeto de desejo da sociedade das trocas. O mantra do capital e o Deus mercado nos tornaram seus preciosos objetos de desejos. Para ser radical em sua sedução, as emanações capitalistas transformaram nosso desejo em desejo de mercadoria. Nosso desejo tornou-se, em essência, fetiche.

O amor, a solidariedade, a generosidade viraram peças de um museu antropológico. Amar, ser solidário e generoso nesta sociedade individualista é piegas. É démodé querer ontologicamente desenvolver, com os outros, o nosso ser particular e, um fóssil pensarmos teleologicamente no desenvolvimento ontológico do gênero humano. Ter é preciso; ser não é preciso. A sociedade egoísta, da discriminação, da exploração e da exclusão vem, de forma cínica, coisificando nossas sofridas formas de vida.

Morro, Flores e pássaros são elementos pictóricos em estado de esquecimento. Registramos fotografias de tempo não vivido. Vamos ver e viver o tempo da vida fotografada em nossas divinas e maravilhosas redes sociais. Solitários e escondidos atrás de nosso magnífico computador, de forma individualizada vamos construindo redes de amigos, não de forma afetivamente presencial, isto sim, cultivamos nossos amigos através do Facebook.

Onde ficou meu eu menino com suas peripécias e travessuras? Em nosso tempo presente cabe espaço e tempo para a simplicidade, generosidade, solidariedade, amor e simplicidade? Neste perverso e egoísta contexto, como posso querer ajeitar minhas gavetas e colocar no lugar os meus botões? Sem a solidariedade dos outros como posso afugentar os fantasmas que corroem os porões de minha alma? Nessa sociedade do ter, como posso explicitar as minhas formas de amar sem tornar-me piegas?

Para que a Ana volte a ser Ana e o Luiz Volte a ser Luiz, morros, folhagens, flores, generosidades, solidariedade e amor devem tornar-se, novamente, nossos objetos de desejos. Assim, novamente, teremos liberdade de desejar e construir livremente nossos próprios objetos de desejos. Como diria Lacan: o meu desejo é o desejo do outro.

Para finalizar vou citar Karl Marx, para mim um ser humano altamente generoso, onde ele diz: a experiência define como felicíssimo o homem que tornou feliz o maior número de homens…Se na vida escolhermos uma posição na qual melhor trabalharemos em prol da humanidade, nenhum peso pode nos dobrar, porque os sacrifícios serão feitos em benefícios de todos; então, não experimentaremos uma alegra mesquinha, egoísta, mas a nossa felicidade pertencerá a milhões de pessoas, as nossas ações viverão, silenciosamente, para sempre.

Que os elementos pictóricos que encontramos em nossa vida cotidiana, as diferentes linguagens das artes, o conhecimento universalmente produzido pela humanidade e nossas generosidades sejam capazes de nos produzirem coragem para enfrentar as mazelas da vida egoísta e alimentar nossas almas para a luta da busca de sua superação. Generosos do mundo: uni-vos!

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