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A verdade no vinho lilás – por Márcio Grings

Quando e por que uma música nos pega? Algumas vezes, a melodia inebria, entorpece, rememora o que estava adormecido. Quantas vezes eleva o espírito, elucida, nos enche de alegria e júbilo. Em outro viés, a letra de um som pode nos passar mensagens, soprar recados no pé do ouvido e até mesmo se comunicar conosco como se fosse algo vivo. E é!

Durante essa audição, tudo em volta fica etéreo ou denso, o ar pode pesar ou se tornar mais leve (as duas coisas simultaneamente nunca podem ser descartadas). Há lagrimas e sorrisos quando a emoção bate no topo, e como ‘tô cansado de dizer: esse troço de curtir música é algo muito mais complexo do que imaginamos. Por isso, cuidado!

E daí, aquela história compartilhada com o artista continua ressoando dentro do sujeito. Na verdade, muitas vezes um tratado é assinado durante aqueles minutos preciosos que o tema foi absorvido pelos sentidos. Ele não sabe, mas, em muitos casos, foi uma sessão de terapia que acabou de rolar. Algumas respostas são ditas, algumas perguntas são levantadas.

E a música seguirá com ele.

Vou usar um exemplo – “Lilac Wine”, um tema composto por James Shelton na década de 1950. A canção foi gravada por nomes como Eartha Kitt, Nina Simone, Elkie Brooks, Jeff Beck e até Miley Cyrus fez a sua versão.

No entanto, em 1994, quando o norte-americano Jeff Buckley colocou no mundo seu álbum de estreia, o espetacular “Grace”, só então a canção encontrou seu lar definitivo na faixa quatro do Lado A daquele disco.

Tentar definir a letra é como interpretar um bom poema. Cada um irá ler da sua maneira. Uma amiga me disse que ‘Lilac’ versa sobre a verdade revelada em nosso espírito, como uma epifania. Acho uma definição bonita. “As copas das arvores dançando com o vento, um aceno, a confirmação de que não estamos sós”, ela me disse. Eu vejo ‘Lilac’ como uma epístola de um amor que se foi, mas que de alguma forma continua ali. O vinho lilás é um aditivo que o conecta ao amor (e a verdade). Como uma janela entreaberta por alguns instantes, tudo fica muito claro.  Ou você prefere uma vida de desamor e mentiras?

Sem dúvida as linhas escritas por Shelton há cerca de cinquenta anos soam extremamente poéticas e fora do tempo em que foi concebida. Quanto ao intérprete, Jeff partiu muito cedo, morreu afogado apenas dois anos depois de gravá-la. Ele tinha só 30 anos. E assim como fez com “Halleluyah”, de Leonard Cohen, em “Lilac Wine”, Jeff também tomou o tema para si. E digo mais: essa música deveria ser tombada como patrimônio de Jeff Buckley.

“Lilac Wine” me pegou faz tempo. Toda vez que coloco o vinil no prato, sou incitado pelo meu inconsciente a baixar a luz e posicionar a agulha no início da faixa. Quando o braço pousa no sulco, a guitarra de Jeff nos corta como aço cruzando um tablete de manteiga. E a história que o cantor aos poucos desvela, passa a ser um lance só meu. Há uma comunhão de sentidos que tornam essas contínuas audições sempre um momento especial. Elucidativas, como se o vinho lilás fosse o cálix que abre a janela da alma e dispersa o turvamento.

Thanks, Jeff.

 

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