SEMLER. Artigo polêmico de um tucano da gema, que não absolve ninguém. Mas não condena seletivamente
Talvez não tenha sido o texto mais lido da semana. Mas, com muita chance de não errar na mão, foi provavelmente o mais debatido dentro e fora das redes sociais. Há duas razões para isso, pensa este editor.
Uma é por ter vindo de quem veio: um empresário conhecido por seus pares (o que não quer dizer necessariamente querido), que não nega o capitalismo e muito longe está do que alguns chamam, mesmo sem saber o que é, de “bolivarianismo”. Ah, e de quebra é filiado, desde sempre, ao PSDB paulista. Um tucano da gema, com ficha abonada por, entre outros, Mário Covas, José Serra e Fernando Henrique Cardoso, fundadores da sigla. Ah, o nome dele é Ricardo Semler.
Outra razão para ser tão citado é exatamente o conteúdo do artigo publicado na Folha de São Paulo, onde escreve há muito tempo. Semler, na contramão de alguns de seus companheiros, vai muito além, no que toca a questão da corrupção no Brasil, no momento tocada pelos efeitos da Operação Lava-Jato. O empresário tucano não absolve ninguém, mas descarta o malho seletivo, que atinge apenas siglas hoje no governo.
Aí está. Ele foge do maniqueismo e não absolve quem quer que seja. Nem seus pares. E dá uma espécie de cronologia (sem data certa) da corrupção. Bem, nem que seja para discordar, vale a pena ler. Até para… Bem, confira você mesmo, a seguir:
“Nunca se roubou tão pouco…
…Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.
Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários que nada ganham com a bandalheira da cúpula.
Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos “cochons des dix pour cent”, os porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade de importação de barris de petróleo em décadas passadas.
Agora tem gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite escandalizada com os desvios na Petrobras. Santa hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do país nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão – cem vezes mais do que o caso Petrobras – pelos empresários?
Virou moda fugir disso tudo para Miami, mas é justamente a turma de Miami que compra lá com dinheiro sonegado daqui. Que fingimento é esse?
Vejo as pessoas vociferarem contra os nordestinos que garantiram a vitória da presidente Dilma Rousseff. Garantir renda para quem sempre foi preterido no desenvolvimento deveria ser motivo de princípio e de orgulho para um bom brasileiro. Tanto faz o partido.
Não sendo petista, e sim tucano, com ficha orgulhosamente assinada por Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país.
É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo.
Votei pelo fim de um longo ciclo do PT, porque Dilma e o partido dela enfiaram os pés pelas mãos em termos de postura, aceite do sistema corrupto e políticas econômicas.
Mas Dilma agora lidera a todos nós, e preside o país num momento de muito orgulho e esperança. Deixemos de ser hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à frente, e velozmente, neste quesito.
A coisa não para na Petrobras. Há dezenas de outras estatais com esqueletos parecidos no armário. É raro ganhar uma concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos das empresas bandidas.
O que muitos não sabem é que é igualmente difícil vender para muitas montadoras e incontáveis multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras.
É lógico que a defesa desses executivos presos vão entrar novamente com habeas corpus, vários deles serão soltos, mas o susto e o passo à frente está dado. Daqui não se volta atrás como país.
A turma global que monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado. Esse número já foi de 3,1%, e estimam ter sido na casa de 5% há poucas décadas. O roubo está caindo, mas como a represa da Cantareira, em São Paulo, está a desnudar o volume barrento.
Boa parte sempre foi gasta com os partidos que se alugam por dinheiro vivo, e votos que são comprados no Congresso há décadas. E são os grandes partidos que os brasileiros reconduzem desde sempre.
Cada um de nós tem um dedão na lama. Afinal, quem de nós não aceitou um pagamento sem recibo para médico, deu uma cervejinha para um guarda ou passou escritura de casa por um valor menor?
Deixemos de cinismo. O antídoto contra esse veneno sistêmico é homeopático. Deixemos instalar o processo de cura, que é do país, e não de um partido.
O lodo desse veneno pode ser diluído, sim, com muita determinação e serenidade, e sem arroubos de vergonha ou repugnância cínicas. Não sejamos o volume morto, não permitamos que o barro triunfe novamente. Ninguém precisa ser alertado, cada de nós sabe o que precisa fazer em vez de resmungar.”
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O fato de alguém ser tucano não é mérito ou demérito para ninguém. A opinião dele não é melhor ou pior por este motivo. Idem pelo fato de ser empresário.
A alegria toda é porque um tucano tentou limpar a barra dos envolvidos no petrolão. Alivou a barra dos empresários também, afinal superfaturamento, caixa 2, desvio de dinheiro, enriquecimento ilícito, etc. é normal, sempre foi assim.
"Nunca se roubou tão pouco" é uma afirmação não falsificável. Não é possível provar que está certa ou errada. Mas é uma tremenda bobagem, porque não é possível mudar o passado e também porque o passado não justifica o presente. Dois erros não fazem um acerto.
E o cordão de falácias não para por aí. O pessoal que monitora a corrupção estima. Estima quer dizer chuta. Outra afirmação não falsificável. E quem é este pessoal? Números saídos do bolso do colete.
A hipocrisia (que o autor chama de cinismo) não é pouca. Se voce deixou de pedir recibo para o médico moralmente justificou o desvio de 100 milhões na Petrobrás. Não pode falar nada, tem que ficar quieto. Hipocrisia cassa o direito a opinião.
E, antes da cereja do bolo, o autor teve no mínimo uns 20 anos para denunciar a situação. Por que ficou quieto? Paulo Francis denunciou e arcou com as consequencias. Agora é fácil.
Cereja do bolo: "Mas Dilma agora lidera a todos nós, e preside o país num momento de muito orgulho e esperança." Rir é o melhor remédio.