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A infantilização dos filhos – por Liliana de Oliveira

Durante muitos anos ouvi meu pai contar sua história de luta, trabalho e superação. Contava de seu único sapato, de sua única roupa para ir domingo à missa, de seu compromisso em começar a trabalhar ainda adolescente para ajudar sua mãe a colocar comida na mesa, entre outras coisas. Sempre as mesmas histórias, contadas muitas e muitas vezes. Não sei se esquecia e as repetia ou se as repetia para que nós nos déssemos conta de quão boa era a vida que levávamos comparada a que ele levou um dia.

Tivemos tempo pra estudar, saímos de casa e ingressamos no mundo do trabalho mais tardiamente. Tivemos uma vida muito melhor do que a dele e hoje nossos filhos levam uma vida melhor ainda. Garantir uma vida melhor aos filhos é um desejo que nos move. Entretanto, parece que esquecemos que é preciso não satisfazer todos os desejos.  É preciso reconhecer que dar tudo aos filhos tira deles a possibilidade de luta, de conquista. Tira deles a possibilidade de reconhecer que são capazes; os infantiliza.

O Centro Universitário de Belas Artes e a ESPM da Vila Mariana em São Paulo (*) começaram a fazer reuniões com entrega de boletins e controle de frequência junto aos pais. Universitários que são reconhecidos pelos pais e pelas instituições como incapazes de dar conta de sua vida universitária. Pais que assumem o controle da vida dos filhos porque entendem que seus filhos são incapazes. Pais que incapacitam seus próprios filhos.

Na condição de professora educo para a autonomia, mas vejo muitos pais fazerem exatamente o contrário. Vejo adolescentes que não sabem o nome das ruas porque nunca as percorreram sozinhos. Não sabem pegar um ônibus, pois os pais os buscam na porta da escola. Não sabem ler um edital de concurso, pois os pais o leem. Não deveríamos educar para a autonomia? Para a maioridade? Não estaríamos nós comprometendo essa geração ao negar a eles a possibilidade de se constituírem como sujeitos capazes de dar conta da própria vida?

Além disso, ao dar tudo tiramos a capacidade dos filhos de serem generosos na medida em que se tornam incapazes de doar. Aprendem a receber, mas não aprendem a doar. Recebem presentes, mas não os retribuem. E sempre haverá alguma mãe que nessas horas dirá não se importar, afinal, presentes não são importantes. Verdade. Presentes não são importantes, mas saber presentear sim. Presentear implica olhar para além de si, implica olhar para o outro.

Olhar para o outro, percorrer ruas e lugares antes não visitados, se perder e se encontrar na vida universitária, arcar com a responsabilidade das escolhas feitas, nos fortalece. Fazem-nos sujeitos autônomos que acreditam em si e na sua capacidade de se refazer e seguir em frente. Rogo para que os pais assim os permitam!

(*) http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/03/1606430-faculdade-faz-ate-reuniao-de-pais-contra-geracao-mimada.shtml

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2 Comentários

  1. Olá, Carla!
    Eu como professora de filosofia acho fundamental pensar, argumentar, contra argumentar,etc. Na reflexão que fiz tentei mostrar que talvez tenhamos que repensar o modo como temos protegido nossos filhos de tal modo a incapacitá-los. Estamos incapacitando-os para coisas básicas da vida cotidiana. Precisamos capacitá-los para a vida cotidiana e, principalmente, para a autonomia intelectual. Obrigada por ler meu texto e pensar comigo!

  2. Professora Liliana,
    mais do que ensinar um filho a pegar um coletivo, se faz urgente ENSINAR A PENSAR sobre as informações recebidas. Vive-se numa sociedade com "excesso" de informação principalmente de má qualidade. Os filhos dessa sociedade necessitam aprender a refletir sobre O TER. A real necessidade de consumir ou não tal coisa?
    Abraço

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