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Inspirado pelo caos das ruas da minha cidade – por Jorge Cunha

Depois do café da manhã, resolvi dar conta de alguns compromissos inadiáveis no centro da cidade, uma vez que minhas aulas e orientações na UFSM estavam marcadas para os turnos da tarde e da noite.

Fui de carro do bairro onde moro até o centro. Deixei o carro num estacionamento privado por não encontrar vaga nos estacionamentos nem tão públicos assim que a cidade oferece. E, que, em parte, são ocupados por contêineres de lixo, caçambas de entulhos e inúmeros estacionamentos “privativos” de autarquias, secretarias, farmácias e até particulares que pintam de amarelo o meio fio em frente aos seus estabelecimentos.

No estacionamento próximo ao Calçadão, fui informado que a hora custaria sete reais e que cada meia hora excedente seria acrescida de mais cinco reais. Perguntei a razão dos valores que considerei abusivos, e fui informado que tudo se devia a nova legislação municipal sobre fracionamento do tempo de uso de estacionamentos privados.

Saí a pé, com o objetivo de ir à agência dos correios e a dois bancos no centro de Santa Maria.

Sujeira em toda a parte. Fachadas de lojas, farmácias, mercadinhos, padarias, cobertas com imensas e horríveis placas de publicidade. Poluição visual potencializada pela fiação aérea de transmissão de energia elétrica, telefonia fixa e televisão a cabo, mal conservada. Provavelmente, muitos dos cabos e fios partidos que pendem dos postes e transformadores que quase tocando o chão estão em desuso. Em todos os cantos ambulantes que vendem de tudo, bilhetes de loteria, cigarros baratos, óculos de sol de marcas famosas fabricados na China e trazidos do Paraguai. Lojas que tentam atrair compradores com um som de mau gosto e ensurdecedor. Vendedores de pseudo-artesanato que ocupam calçadas e acessos.

Apanhei a encomenda no correio, dois livros enviados de São Paulo. Perguntei ao atendente porque as três notificações de recebimento de encomenda haviam sido colocadas num único dia na caixa de correio do prédio onde moro, e porque nunca a campainha havia tocado para que a entrega fosse feita como foi pedida e paga por quem remeteu os livros. O agente público da EBCT perguntou se em todos os dias havia alguém em casa. Respondi que sim, e que tinha certeza de que o carteiro não havia tentado entregar o pacote nenhuma vez. O atendente sorriu e disse que isso era bem comum. Que cada carteiro decide sobre entregar ou não pacotes e encomendas, e recomendou que eu pensasse na conveniência de usar mais os SEDEX, pois esse serviço dos correios era o que realmente funcionava. Disse-me que apesar de o preço ser “bem salgado”, havia uma recomendação da Direção dos Correios para estimular a ampliação desta forma de entrega. Respirei fundo e permaneci calado. Terminei a conversa com um “muito obrigado” e um “até logo”, para tentar permanecer calmo.

Saindo a agência dos Correios me dirigi ao Banco do Brasil. Fui ao setor de terminais automáticos para facilitar a execução das tarefas planejadas. Um burburinho enlouquecedor. Muita gente, a maioria pessoas idosas, alguns deficientes, tratavam de se organizar para obter informações e poder ingressar na agência bancária em mais alguns minutos. Atendentes começaram a tentar organizar a fila e mais confundiam do que ajudavam. A impressão que tive foi a de gente sendo embretada, de gado sendo preparado para o abate. Ao mesmo tempo me chamou a atenção – pela singularidade – o atendimento de um senhor “muito bem vestido de paletó e gravata” que, a margem do caos geral, recebia de um gerente do banco “cautelosamente” a recomendação de que usasse a agência criada pelo Banco do Brasil para clientes do seu tipo, uma agência discreta e muito cômoda que nas palavras do bancário era para “clientes de alto padrão” e que fica na Avenida Medianeira.

Saí da agência bancária refletindo sobre como nós brasileiros somos desiguais e como nosso país, em nossa cidade, funciona. Também não pude deixar de somar meus sentimentos, com tudo o que está acontecendo no Brasil nos últimos meses. E entre um misto de tristeza e raiva, tratei de voltar para casa, organizar meus livros e anotações e ir mais cedo para o meu trabalho.

A Constituição Federal de 1988 lançou as bases de uma sociedade democrática e igualitária. Mas, só lançou as bases! Todo o imenso trabalho de transformação da nação brasileira e com ela a transformação da consciência de cada um dos brasileiros foi sendo realizado por diferentes governos e segundo diferentes diretrizes e focos. Nos últimos 27 anos, grandes avanços foram realizados no plano econômico, no fortalecimento de nossas instituições, na integração social dos menos favorecidos.

Mas há um problema que ainda persiste como doença crônica da estrutura da sociedade brasileira e de sua cultura política: – a corrupção.  Cujos sintomas, expressos nos acontecimentos recentes amplamente noticiados aqui e no mundo inteiro, motivam o fracionamento da opinião pública e o acirramento das diferenças de classe.

A corrupção é o sintoma mais contundente da permanência crônica de nossa herança colonial. Justifica-se na relação que os poderosos de todos os naipes estabelecem entre o público e o privado, nos discursos conservadores que alijam a maioria de todas as cores da participação efetiva nos destino do país. Legitima-se na falácia das motivações ideológicas que mais aproximam a política do fanatismo religioso do que a conduzem para o foco do bem comum.

Eu quero viver, e mais, quero que meus filhos, meus netos e (espero viver o bastante!) também meus bisnetos, possam viver num país em que cada um de nós e todos possam se orgulhar de ter participado da luta por democracia e participação plena, por igualdade e justiça.

Por isso, mantenho meu foco e admiro os que também o fazem, no respeito a todas as opiniões, no rebate dos revanchismos e dos extremismos idiotas, na luta contra a impunidade e na construção de um sistema educativo que nos conduza para a consciência política. Uma consciência de que somos humanos em nossos limites e possibilidades, e de que ser brasileiro, significa exercitar a condição humana hoje e neste lugar que chamamos Brasil.

Sobre ser brasileiro, quero continuar refletindo na próxima semana. Um abraço aos amigos leitores e até lá!

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Um Comentário

  1. Redes subterrâneas têm alto custo de implantação. Vida útil é menor. Custo de manutenção é alto. Mão de obra precisa ser especializada. Tempo para reparação de defeitos é maior. Concessionário nenhum vai abrir mão da margem. Mesmo que os serviços fossem perfeitos, população teria que pagar o benefício estético.
    Desigualdades sociais. As pessoas também se comportam como gado. É só ver o metro em SP. A saída do terceiro turno de uma fábrica média/grande. Agências tendem a ser um lugar mal sinalizado.
    Há lotéricas na aldeia que possuem a fila para idosos/gestantes/deficientes, a fila só para jogos…e a fila única. Se a fila para jogos estiver vazia, é aconselhável entrar na fila única. Corre-se o risco de ser linchado por estar "furando a bicha" (advertência: comentário não homofóbico).
    A constituição, como diz o ministro Barroso, só não traz a pessoa amada em três dias. É muito utilizada hoje em dia para uns reclamarem direitos que não têm e criar obrigações para outros que não os querem.
    E aí chegamos na bala de prata. Corrupção não é o único problema. Corrupção tem a ver com vantagem indevida mediante pagamento. Não resolve o problema do carteiro que prevarica. Nem a falta de capricho do concessionário que deixa o fio pendurado para não ter o custo do conserto. Tampouco a falta de civilidade e organização no banco. Brasil tem um problema de amadorismo disseminado. E parece que o orgulho de fazer um trabalho bem feito sumiu.

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