Uma rara e emocionante experiência em Walachai – por Jorge Cunha
No final de semana passado, estimulado pelas informações de uma amiga e colega antropóloga reconhecida internacionalmente, decidi participar de uma das (provavelmente) últimas colheitas de sagu que ainda acontece em três lugares remotos do Rio Grande do Sul.
Por recomendação dela, que em uma de nossas conversas havia me alertado sobre o desaparecimento deste tipo de agricultura, decidi conhecer e participar desta experiência comunitária pouco conhecida. Saí cedo de casa no último sábado e fui de carro até a comunidade de Walachai, um dos povoados do município de Morro Reuter.
Segundo a tradição local as primeiras sementes de sagu, cujo nome científico é Semen oriental sago (o que indica sua origem possivelmente na Índia) foram trazidas pelos imigrantes germânicos que chegaram à localidade em meados da primeira metade do século 19. Provavelmente por seu fundador proveniente de Echternach, em Luxemburgo.
Os descendentes de imigrantes alemães de Walachai não são os únicos que ainda cultivam sagu. Segunda minha colega da universidade, há mais duas comunidades que o cultivam, uma no interior de Vacaria e outra em um dos distritos de Nova Prata, todos aqui do nosso Estado.
Quando cheguei, a cerimônia que antecede a colheita, que dura no máximo dois ou três dias, já havia começado. Estavam todos com roupas claras, homens, mulheres, jovens e até algumas crianças, com as cabeças cobertas com chapéus, bonés e várias mulheres usando lenços. Todos carregando cestos forrados com tecidos, dos quais pendiam luvas cirúrgicas.
Cheguei no meio do discurso de uma das lideranças locais, que lembrava com lágrimas nos olhos e voz embargada que era preciso resistir. E que, ainda que o sagu natural de Walachai não conseguisse concorrer com os preços do sagu de fécula de mandioca que monopoliza o mercado, tratava-se de uma tradição a ser mantida. Para que nunca nenhum dos habitantes do lugar esquecesse quem era, esquecendo a história de sua família e de sua comunidade.
Depois do discurso, ouvimos todos ainda algumas recomendações de um técnico agrícola aposentado da EMATER e partimos para a lavoura de sagu da comunidade para iniciarmos a colheita.
A única lavoura de sagu de Walachai fica em uma área de cerca de dois hectares de propriedade coletiva comunitária, nos fundos do prédio da nova igreja católica do lugar. Um terreno inclinado e com boa drenagem. A visão do lugar me remeteu à memória das imagens de um dos filmes de Akira Kurosawa, a luz do sol iluminava a encosta coberta de arbustos cujos frutos maduros mostravam os minúsculos grãos brancos do sagu natural.
Começamos a colheita. Os pequenos grãos de sagu foram sendo colhidos cuidadosamente e sendo depositados em grandes balaios artesanais forrados de material plástico. Lamentavelmente a produção de sagu de Walachai não chega ao mercado e é consumido apenas pelos membros da comunidade.
Uma experiência que para mim será inesquecível. Um patrimônio de nossa cultura regional, ameaçado contundentemente de desaparecimento. Segunda minha colega antropóloga, nem o Ministério da Cultura tem demonstrado interesse em financiar projetos que divulguem essa agricultura comunitária pouco conhecida, o que com certeza contribui para que em poucos anos ela desapareça e com ela uma das expressões culturais de nosso Estado.
Fica o registro desta experiência, e a ressalva de que esse relato se trata de uma ficção, uma boa mentira ou uma elegante piada, assim como o são os discursos dos líderes políticos – presidentes do nosso Congresso Nacional, que tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, mentem, enganam, e ardilosamente trabalham para manter o controle sobre seus privilégios e sobre sua cultura de corrupção.
Abraços!
Dizem que no inferno todos os cozinheiros são ingleses, todos os garçons são italianos, todos os motoristas de taxi são franceses e todos os humoristas são alemães.