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As lições de Ozu – Bianca Zasso

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Os leitores que acompanham esta coluna já perceberam que esta que vos escreve defende que cinema deveria ser matéria obrigatória desde o jardim da infância. Se geografia faz com que a gente não se perca por aí, cinema também é guia, talvez até mais intenso que fórmulas e tabuadas. Isso porque a vida nos coloca em situações complicadas desde o seu início e nenhuma teoria nos ensina a lidar com elas.

O cinema, pelo menos, nos faz pensar sobre elas. Um dos professores mais sábios na disciplina de lidar com a tão amada e questionada família nasceu no Japão e, infelizmente, já nos deixou. Pelo menos de corpo, pois sua alma está impregnada em filmes que parecem a cada sessão ganharem novos significados.

Yasujiro Ozu nasceu em 12 de dezembro de 1903 e morreu na mesma data, sessenta anos depois. Pode parecer cabalístico, mas estas magias não eram seu interesse. Seu cinema era focado em histórias familiares, seu cenários eram cozinhas, varandas, salas de estar. Seus protagonistas eram trabalhadores, mães, pais, filhos e filhas. Não espere grandes reviravoltas no roteiro ou cenas de ação arrepiantes.

Ozu trabalha com a calmaria, a mais perigosa delas, na verdade, que é a que esconde nosso descontentamento com o cotidiano. A câmera que Ozu aponta para dentro dos lares japoneses é um convite. Sente-se, pegue seu chá e observe. Há mais intensidade aqui do que em qualquer filme verborrágico.

Uma de suas produções mais aclamadas é Era uma vez em Tóquio, de 1953. Nela, o diretor narra a viagem de um casal do interior até a capital com a intenção de visitar seus filhos. A animação inicial de um passeio ao lado da prole torna-se a visão de uma dura verdade: as crianças que corriam pela casa agora estão ocupadas demais em ganhar a vida e a visita da dupla é encarada como um desconforto.

O que o cinema comercial trataria como um melodrama choroso, Ozu transforma em dois idosos pensando a própria história e a proximidade da morte. Tudo sem desespero, sem acusações e com o mínimo de diálogos. A cena do casal observando o mar é esteticamente simples, mas está impregnada de significados. A doçura com a qual é conduzida acentua as lágrimas do público. Estamos diante do nosso destino certeiro. Ficaremos velhos. Seremos dúvidas entre as escolhas de nossos filhos. Estaremos sós.

Era uma vez em Tóquio é uma ótima escolha para treinarmos nosso olhar, tão acostumado a imagens em ritmo frenético. Precisamos prestar mais atenção, gastar minutos em detalhes, deixarmos a pressa pra lá. No fundo, toda essa loucura diária é para esconder o perigo que o silencia pode nos trazer. É apenas uma das lições de Ozu. Vale aprender todas. E voltar, sempre que a memória falhar. Afinal, a idade chega e esquecemos os óculos em cima da cabeça. E a culpa embaixo do colchão.

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