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A defesa – por Orlando Fonseca

Não sei ao certo se o mais constrangedor foram as manchetes sobre a compra ou, agora, a informação de que o Ministro da Defesa deve comparecer a uma comissão da Câmara dos Deputados para prestar esclarecimentos. Os tempos em nosso país estão mais estranhos do que a quarta temporada de Stranger Things. Já houve um momento na história nacional, em que as nossas gloriosas Forças Armadas tinham mais prestígio. Embora o Brasil atravessasse um turbulento período de ditadura militar, o Exército era tido como a instituição mais confiável para os brasileiros (a se confiar nas pesquisas). No entanto, não vou dizer que apenas pelo perfil do atual presidente, oriundo da Caserna, mas essa instituição tem sido alvo mais de chacota do que de elogios. Convenhamos, a lista de compra a que me referi, com Viagra e prótese peniana, é de amargar, já que corar de vergonha ninguém cora mais por aqui.

Nesta semana, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, o atual responsável pela Pasta, terá de dar as explicações para as comissões de Fiscalização Financeira e Controle e de Seguridade Social e Família, em audiência pública. Se atender ao convite, antes era uma convocação, mas houve quem achasse que era provocação, terá de dar as explicações – se as houver – sobre um contrato firmado pelo Laboratório Farmacêutico da Marinha Brasileira com a empresa EMS S/A para a compra de 11,2 milhões de comprimidos de Viagra. Estão incluídos na pauta mais dois assuntos, difícil qualificar no conjunto, mas seriam temas de “segurança nacional” (?): a compra de próteses penianas infláveis, e o esquema de segurança do processo eleitoral brasileiro.

Trata-se de um requerimento do deputado Elias Vaz (PSB-GO), que acionou o TCU da União, com pedido da abertura de processo para apurar a compra dos comprimidos entre 2019 e 2022. O que está em questão nem é a bizarrice dos produtos para disfunção erétil, mas um suposto superfaturamento de até 550% nos valores acordados entre o Comando da Marinha e a EMS S/A para fornecimento do medicamento. Lá atrás, o Ministério da Defesa, buscando justificar o injustificável, em nota informou que a aquisição de citrato de sildenafila (nome genérico do Viagra) era para tratamento de pacientes com hipertensão arterial pulmonar. Mas já existe contestação de especialistas quanto as inespecificidades do tipo de medicamento adquirido. Agora, ainda precisam encontrar algum uso bélico para a “prótese peniana”, acompanhando o expediente anterior. E estamos em um período no qual o Ministério da Defesa recebeu um incremento na dotação orçamentária acima da verba destinada a outras pastas. E estamos falando de Educação por exemplo, no qual Universidades Federais se veem na contingência de deixar de pagar o fornecimento de água e luz, pelos cortes anunciados.

Seria cômico, se não tivéssemos a tragédia de uma conjuntura desfavorável para a maioria dos brasileiros. Temos uma inflação alta, com um desemprego que não diminui. Não há um projeto de desenvolvimento para o país, para que pudéssemos vislumbrar um tempo de recuperação social e econômica para depois da pandemia de Covid-19 (que está dando as suas caras ainda) e da guerra na Ucrânia. Nesse último quesito, as autoridades militares brasileiras, comandadas pelo ex-capitão, têm manifestado uma indefinição sobre a posição de nosso país, diante da crise gerada pela invasão russa a um país soberano. Um fato estranho para a realidade mundial, que navegava nas águas da globalização. Seria prudente que, em vez de Viagra e prótese peniana, estivéssemos assistindo um uso bélico melhor do expressivo orçamento para a área. Também fico imaginando, desde a desastrosa gestão de um especialista militar em logística para o Ministério da Saúde, no auge da crise da Covid, a que constrangimentos o Brasil ainda corre riscos, no caso de uma conflagração bélica. Por isso eu sou da paz, mas estou inquieto, rindo para não chorar.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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Um Comentário

  1. Filme que já passou. Ministro vai ao Congresso dar explicações e a grande maioria da população não dá a minima. Explicações dadas, não importa qual sejam, não serão ‘satisfatórias’, sempre aparecerão ‘especialistas’ contestando. SUS oferece, embora seja dificil de conseguir, implante de protese peniana para pacientes de cancer de prostata. ‘Projeto de desenvolvimento do pais’: é melhor não ter nenhum do que ter um produzido por cabeças de bagre. Coisa que os futuros eleitores do ex-detento não tem capacidade cognitiva para assimilar.

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