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A liberdade é azul – por Bianca Zasso

Há quem diga que muita gente chega na hora errada no lugar certo. Há exatos 20 anos, isso acontecia com o filme L.A. – Cidade Proibida, do diretor Curtis Hanson. A produção que homenageava o cinema noir e a literatura policial da década de 40 tinha tudo para ser o filme do ano e garantir alguns Oscar para os integrantes de sua equipe. Porém, havia um navio no meio do caminho e a premiação de 1997 foi dominada por Titanic, de James Cameron. Ouso dizer que, ao contrário da grandiosidade fria da tragédia em alto mar, o filme de Hanson terá vida mais longa e pode ser material de interesse de quem for estudar o cinema dos anos 90 num futuro próximo. O mesmo destino pode acometer Moonlight, do cineasta Barry Jenkins.

Indicado a 8 estatuetas, incluindo melhor filme e diretor, o filme inspirado em um texto teatral nunca montado do dramaturgo Tarell Alvin McCraney é uma pequena obra-prima. Pequena não no sentido de ser menor, mas por aproveitar com maestria cada um dos seus 110 minutos. Um filme redondo, sem arestas para aparar e nem um pouco econômico em emoção. Num resumo breve, acompanhar o amadurecimento do jovem Chiron na periferia de Miami já poderia render uma boa história. Hollywood adora uma redenção. Mas Jenkins é um cineasta independente e mais preocupado com cinema do que com marketing, algo que podemos sentir em cada cena criativa que ele constrói para nos apresentar os personagens. Sua sensibilidade é tão única, que os inúmeros planos onde os atores aparecem de costas, seja caminhando ou mesmo observando o mar, conseguem cativar o público com mais força do que qualquer close invasivo. Jenkins nos coloca dentro da cena, não como voyeurs, mas como companheiros de Chiron em seus momentos de dor e prazer. Aliás, essas duas sensações permeiam Moonlight em doses contrastantes. O protagonista lida com a descoberta de uma figura paterna num quase inimigo, o traficante Juan, interpretado com primor por Mahershala Ali, responsável por fornecer drogas para sua mãe, uma enfermeira interessada mais em seu vício do que no filho que cresce com muitas perguntas ao seu lado.

Mãe ausente, um “pai” torto e lidando com a violência dos colegas de escola, resta a Chiron aceitar sua solidão. Num primeiro momento, em silêncio, para depois embarcar no que ele acredita ser sua carta de alforria, composta de um carro, dentes de ouro e músculos ameaçadores. No entanto, a melancolia de seu olhar permanece. Os três atores que interpretam Chiron nas três fases em que o filme é dividido são semelhantes nisso. Alex Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes estão em equilíbrio, pois acrescentam novas características a Chiron sem deixar de lado o que já estava presente na estrutura do colega de elenco. O sofrimento é parte da personalidade do protagonista. Sua raiva transparece em um único momento, para ser substituída por um visual gângster, nada mais que uma máscara para esconder seus desejos, que nem são tão ambiciosos. Chiron só quer ser quem realmente é e amar do jeito que se sente melhor. É o que faz de Moonlight universal: estamos nos anos 90, mas o dilema de Chiron ainda é a realidade de muitos.

Não bastasse a carga dramática e as atuações brilhantes (Naomi Harris merece um texto só para sua performance), Moonlight ainda é um deslumbre para os olhos. A paleta de azuis que se intensifica ao longo da trama traz uma atmosfera de encanto para o trivial. A ideia que gerou o roteiro, de que todo garoto negro é azul sob a luz do luar, é um guia para a direção de arte, com direito a uma imagem de Iemanjá no cenário. É com uma luz quase mágica que Chiron descobre sua sexualidade, amenizando um pouco o cotidiano duro e que não lhe permite relaxar nem por um segundo. E relaxar aqui, significa ser você mesmo, sem medo.

A Academia é conservadora, isso é fato. Poucas foram os que cutucaram a ferida e levaram troféus para casa. No entanto, por mais que carregue o título de ser um filme sobre a população negra de um dos locais mais preconceituosos dos Estados Unidos, Moonlight não levanta bandeira. Chiron, antes de ser negro ou da periferia, é humano. E é sobre dúvidas e desejos humanos que Barry Jenkins filma. Sabemos que La La Land deve dominar o Oscar. É belo, romântico e não sai da superfície.

Em um vídeo publicado recentemente na internet, Jenkins declara seu amor por John Cassavetes, um dos grandes nomes do cinema independente americano e também obcecado pelos fluxos, os do amor, em especial. O mar, a lua e aquilo que a gente guarda dentro do peito correm em direção ao cinema. E ficam. As estrelas dos amantes, essas passam.

Moonlight
Direção: Barry Jenkins
Ano: 2016
Em cartaz nos cinemas

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