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KISS. Famílias das vítimas, por meio de sua entidade, respondem duramente à ‘Nota Pública’ de Promotores

Na segunda-feira, 19, o Ministério Público Estadual, em sua página na internet, publicou nota defensive, por conta de reportagem do jornalista Marcelo Canellas, no programa “Fantástico”, da TV Globo, em rede nacional, que foi ao ar no domingo.

Por partes.

Você pode conferir a reportagem do “Fantástico”, clicando AQUI.

Também pode ler a nota do Ministério Público, clicando AQUI.

Dito isto, nesta quinta-feira, a Asssociação dos Familiares das Vítimas da tragédia da Kiss também veio a público, como você acompanha a seguir, na íntegra:

Nota da AVTSM sobre o posicionamento do MPRS em relação aos processos ligados à tragédia da Boate Kiss

Apesar de uma ampla maioria e cada vez maior de conhecedores do Direito que discordam do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) e dos promotores responsáveis pelo caso, quanto aos arquivamentos dos processos de entes públicos, ainda insistem em associar o desacordo com as decisões do MPRS somente aos pais.

Cada vez mais, operadores do Direito, técnicos, professores de Direito, criminalistas, representantes de órgãos públicos de entidades representativas da sociedade, enfim, aqueles que leram desde o início sobre a tragédia da Boate Kiss e, ao longo desses quatros anos, fizeram análises e concluíram que há um enorme erro de interpretação quanto aos responsáveis pela tragédia, relacionado, principalmente, à enorme quantidade de vítimas, que são as graves irregularidades da boate denunciadas antes, com pleno conhecimento de três órgãos públicos: MP, Prefeitura e Corpo de Bombeiros.

Ainda insistem, tanto em uma nota oficial do MPRS quanto agora, na fala de um promotor que, em uma gravação de junho de 2013, declarou que tinha certeza das “mutretas” dentro da prefeitura.  O que levou também a administração da prefeitura a emitir uma nota repudiando o que disse o promotor: “se um promotor público tem convicção de que existem “mutretas” no serviço público e não faz nada a respeito, está, de certa forma, corroborando para que a impunidade se perpetue”.

As perguntas ao final dão início a uma série de questões que devem ser respondidas não só a nós, familiares de vítimas, mas a toda a sociedade, incluindo aos profissionais que também discordam das posições do MP. Várias delas, que entregamos ao presidente da Associação de Promotores do RS em 2015, nunca foram respondidas.

Fomos procurados pela Associação dos Promotores do RS no início de maio de 2015, quando, após uma reunião, foi feito um pacto. Entregamos uma documentação para que dessem respostas e nós, pais, nos propusemos a retirar os cartazes, o que foi feito no dia seguinte, e a não emitir mais críticas aos promotores. Cumprimos nossa parte.

Não recebemos nenhuma resposta desde então e, meses depois, sem cartazes e sem críticas escritas, sofremos processos de calúnia e difamação do promotor responsável à época, de dois promotores responsáveis pelo caso e de um ex-promotor e seu filho advogado. Esse ex-promotor, que foi responsável de 2009 a 2011 e fez diversas denúncias desde 2009, até ser substituído em 2011 pelo promotor que ficou até 2013.

Esse ex-promotor, a título de registro, disse logo após a tragédia:

“O MP tem alguma responsabilidade” e “Quem deveria fiscalizar não fiscalizou”. 

E, para registar também, ele não foi instado a depor ou incluído no processo pelos promotores responsáveis pelo caso.

Quanto ao promotor responsável, a partir de 2011 temos muitas perguntas que não foram respondidas.  Vale saber que a absolvição dele foi feita pelo próprio Conselho Superior do MP do RS, que não permitiu que um tribunal o julgasse.

Vale o registro do Desembargador Arno Werlang :

Pois bem, se ali meu bom senso foi ferido pela primeira vez, sinto ele mais uma vez atingido ao ver a tentativa do Procurador-Geral de impedir a investigação dos fatos. O poder judiciário, como um todo, pode ter contribuído para que a tragédia ocorresse e tem o dever de permitir que os fatos sejam integralmente apurados, nem que seja para apontar erro do sistema, o qual temos a obrigação de denunciar como agentes públicos que somos. Quanto aos fatos, o que se verifica, por enquanto, e não pretendo me aprofundar, é que o inquérito civil público produziu resultados que precisam ser investigados a fim de saber se contribuíram para o resultado da tragédia.”

E, depois, o Desembargador declarou em uma entrevista ao Fantástico que o MPRS se fragilizou (ao não permitir que outro órgão o julgasse) e assim não teve condições de se voltar contra outros órgãos públicos.

São muitos posicionamentos de quem leu o processo.

“A sensação de um grande acordão” dita pelo, na época, deputado Nelson Marchezan Júnior, agora prefeito de Porto Alegre. Advogado criminalista que participou da Comissão do Congresso formada para apurar o que e por que aconteceu a tragédia.

As declarações do deputado, também advogado que foi lá, viu e leu o processo e declarou:  “Todos (os apontados) têm culpa, mas quem tem mais culpa é o MP”.

Também o presidente da OAB de Santa Maria, Péricles Lamartine Palma da Costa, que acompanhou desde o início e teve acesso a todo o  processo: “Não estou dizendo que é o mais culpado ou o único culpado, mas o MP sabia. E, se sabia, deve explicações não só aos familiares, mas a mim, a você, a todo santa-mariense, a todo gaúcho e a todo brasileiro“.

Pedimos (mais uma vez) respostas a esses e a tantos outros que leram e acompanharam o processo.

Um breve histórico mostra que, desde o início, houve uma ruptura entre a Polícia Civil e o MP.

A Polícia apontou 28 pessoas, 13 deles servidores públicos.

Isso em 2 meses. E, no segundo inquérito policial, a Polícia Civil, com muito critério e com mais tempo, levantou a vida pregressa da boate, e ela nunca esteve regular, sempre trabalhou à margem da lei. Apontou diversas pessoas, e ali se verifica os TAC´s (Termos de Ajustamento de Conduta) realizados entre os representantes da boate e o MP, representado pelo promotor da época. 

Fica incompreensível, a qualquer leigo ou a um operador do Direito, entender os arquivamentos, quando se constata que houve, no mínimo, negligência e descaso, passíveis de processo de improbidade administrativa, cujas penas requerem o afastamento das funções.

Logo após a tragédia, foi formada uma Comissão do Congresso que, após ler os processos e os depoimentos, investigar e convocar representantes da Polícia Civil, entre outros, a Comissão fez também diversas perguntas e concluiu que houve falhas de muitos, inclusive do MP.

Todas esses fatos e os demais estão registrados em nossos arquivos. Depoimentos, Inquéritos policiais, requerimentos, declarações, gravações, atas de reuniões, telefonemas. Audiências públicas, registro de denúncias, como a de que uma mãe foi ofendida por um promotor, chamando-a de “leviana”. A falta de respostas e a lentidão para dá-las e os registros relacionados à proteção da corporação, feita por representantes públicos. Há muito a explicar para toda a sociedade e não só aos pais das vítimas da tragédia.

Há muito a explicar para quem conhece a lei. Para quem advoga e ensina.

Para quem a exerce com dignidade e transparência. Não são pessoas inidôneas.

Para quem entende e procede com a contemporânea interpretação da lei de improbidade que foi equivocada no caso, pode-se dizer até retrógrada no tempo com a interpretação colocada pelos promotores quanto à necessidade de dolo.

A própria Escola Superior do MPF, órgão acima da instituição que regula o conhecimento de seus representantes dita, que também o descaso e o desinteresse devem ser objetos de processo de improbidade administrativa.

E também não se entende o posicionamento referido algumas vezes por representantes do MPRS quanta à consciência e à técnica, quando, em outros casos apresentados no MP, recorre-se ao princípio “in dubio pro societate” (Na dúvida, deve-se interpretar a norma a favor da sociedade). E, esse caso, com tantos indícios apresentados, deveria ser levado à frente e, mais ainda, quando um promotor em 2013 disse ter certeza do envolvimento de servidores públicos.

Não se entende as declarações do subprocurador, que declarou que os agentes públicos agiram de acordo com o que tinham como certo e não tiveram dolo e, portanto, não poderiam ser indiciados.

Morreram 242, a maioria jovens, 636 feridos. A maioria morreu por asfixia, e boa parte dela por asfixia mecânica (peso dos corpos acima), comprovado pela perícia, 95% foram óbitos dessa natureza. Atropelados no tumulto, pressionados nas barras, no caminho tortuoso, a porta estreita, sem saídas de emergência (denunciado em 2009).

Agentes públicos que multaram diversas vezes, e que nunca, após o número de multas exceder o limite, nenhuma ação foi tomada pelos secretários, pelo prefeito. E o subprocurador diz que eles agiram com o que achavam certo e não houve dolo?

É certo deixar um local irregular aberto?

É certo não aplicar a lei?

É certo desobedecer às normas do Município?

Todas essas normas foram negligenciadas e desrespeitadas por entes públicos ao longo de 3,5 anos por representantes que tinham dever e obrigações de executar.

Ora, então servidores públicos. somente por serem negligentes e fracos, como disse um promotor aos pais em uma audiência, não podem ser processados por isso?

Foram contrários a tantas outras decisões, em casos de muito menor impacto à sociedade.

O que esperavam dos familiares com essa “técnica”?

O que esperavam de operadores do Direito com essa técnica?

A técnica que absolve (pelos arquivamentos) aqueles que tiveram participação direta, pois as condições da boate é que causaram o maior número de mortos.

Ouvir de um promotor responsável pelo caso dizer: “ninguém era vidente para antever”, isso vindo de alguém que representa a sociedade e não tem o conhecimento tácito das causas de tragédias? Não existe vidência, mas sim prevenção, que vem pela execução da lei e das normas vigentes.

Como entender que ele entenda que foi somente o fogo e a espuma, sem a qual, segundo ele, nada teria acontecido?

A boate era uma tragédia anunciada e só aguardava um estopim, que poderia ser outro qualquer, como curto-circuito, fósforo, velas, gás e outros estopins, como pode ocorrer e já ocorreu em outros casos. A diferença entre a vida e a morte e a quantidade de vítimas está nas condições de prevenção e fuga.

Ambas falharam, superlotação e falta de saídas de fuga, ambas registradas em multas e com o laudo de 2009. Ambas ignoradas.

Ambas que os poderes, ao longo de 3,5 anos, não observaram nas vistorias, nas fotos tiradas, nos TACs elaborados entre o MP e o advogado da boate, e ambas que a aplicação da lei e das normas do Município preveem que sejam aplicadas, pois para isso serve a lei. A força para que irresponsáveis não cometam crimes, danosos à sociedade.

Afinal, ninguém queria que acontecesse, mas aconteceu, e a culpa é de quem deixou a boate aberta irregularmente, com graves riscos aos frequentadores, de quem superlotou e de quem deixou superlotar inúmeras vezes. De quem vistoriou e não interditou. De quem se vendeu por favores que poderiam ser comprovados se o processo seguisse à frente com os apontados pela Polícia Civil.

O que tivemos nesses quatro anos. Fomos ludibriados quando prometiam apurar tudo doa a quem doer e depois arquivaram aqueles que poderiam responder a muita coisa.

A suspeição ficou, e os que são inocentes, se forem, também não tiveram, dentro do processo legal, a chance de se defenderem.

Não se busca uma caça às bruxas, como também declarou o ex-presidente do Tribunal de Justiça do RS Adroaldo Furtado Fabrício, que classificou a boate como “ratoeira” e que não era preciso ser técnico para imaginar o que ali poderia acontecer:

A responsabilização de todos, absolutamente de todos os que tenham concorrido para a tragédia, tem que ser levado a cabo. Não se trata de caça às bruxas ou vendeta rancorosa, mas de abertura de caminhos para que similares e tão horrendas catástrofes não se reproduzam

Não buscamos justiçamento, mas, sim, que todos paguem de acordo com suas culpas. Reciclagem, afastamento, demissão também são exemplos que servem à sociedade. Exemplos de punição que propiciam a conscientização.

Aplicaram a “técnica”? Que técnica?

Respondam aos conhecedores do Direito e expliquem a “técnica” utilizada. Expliquem porque um promotor, com a certeza que tinha, mostrou, ainda com o cargo que ocupa, que teve receio de ser considerado prevaricador?

Falta muita explicação, e cada vez mais as justificativas ficam frágeis e sem fundamento.

Tanto do ponto de vista técnico quanto de qualquer outro ponto de vista.

Basta ler e interpretar de acordo com a evolução da sociedade quanto aos seus direitos. Os princípios da Administração Pública são sempre a favor da sociedade, não o contrário. A administração pertence a Sociedade, pertence ao Direito. Os textos das leis e das normas têm, em suas interpretações, observado esses princípios, principalmente em um caso real de absoluta necessidade de transparência. Os princípios da Administração Pública são vivos, e vale ler o texto sobre o Direito do Ministro Eros Grau:

 “O direito é um organismo vivo, peculiar, porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. E a realidade social é o presente; o presente é vida — e vida é movimento. Assim, o significado válido dos textos é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. A interpretação do direito não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normativos à realidade e seus conflitos”.

Falamos aqui do direito à vida em respeito aos que se foram nessa tragédia.

O que buscamos é muito simples. Nenhuma condenação a priori, mas também nenhuma absolvição antecipada.

Falamos da obrigação no agir. A atuação tardia em longo período, em razão da falta de ações quanto à segurança, pode afetar a população de forma irreversível. E afetou. Falamos de 3,5 anos e meio que a boate esteve irregular em itens essenciais à preservação da vida.

Isso fere frontalmente os princípios da administração Pública.

A nota do MPRS não reflete a realidade. Omite-se quanto aos entes públicos apontados pela Polícia Civil que tiveram seus processos arquivados. Esses que deveriam e poderiam ter evitado ou, minimamente, diminuído o enorme número de vítimas, caso cumprissem com suas atribuições, que é a função principal de prevenir.

Iniciamos com algumas perguntas relacionadas a atuação do MPRS.

Por que o MPRS, através de seus representantes, tendo conhecimento das irregularidades, não agiu levando a um juiz o pedido de interdição?

Para que um TAC para um estabelecimento comercial?

Por que o TAC iniciado em 2011 se arrastou até o dia do incêndio sem ter seu atendimento realizado?

Por que a boate funcionou até o dia do incêndio, sendo que o TAC autorizava apenas o funcionamento do Pub até que o problema de poluição fosse resolvido (nunca foi e poderia ter evitado a tragédia)?

Por que após a tragédia deixaram de fornecer a Polícia Civil, na fase de investigação, os dois procedimentos existentes no Ministério Público relacionados à boate Kiss?

Por que, ao ser oficiado pela prefeitura que a boate Kiss não possuía licença de operação, o promotor responsável não procedeu como seu colega promotor, que após o incêndio recomendou fiscalização por parte da prefeitura, órgão com competência para tal?

Por que, sabendo que a boate Kiss tinha problemas em seu licenciamento e que realmente estava causando poluição sonora, o promotor responsável não  requisitou que a Prefeitura, órgão com tal competência, procedesse ao fechamento da boate até a solução do problema, pois até o momento era um mínimo de 83 vítimas da poluição produzida pela Kiss?

Por que o promotor responsável autorizou reformas estruturais e não estruturais na boate sem qualquer tipo de licença da municipalidade, havendo embargo de outra obra irregular e um parecer de engenheiro da prefeitura relatando a falta de  segurança, de acessibilidade e de rotas de fuga, entre outros fatores?

Por que o promotor responsável avocou a si, em um item do TAC, a responsabilidade de fiscalizar as obras na boate e não o fez, não cobrou sequer licenças de obras, não solicitou auxilio técnico aos órgãos competentes, visto que, segundo o próprio, não entendia de obra?”

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