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Crônicas parisienses: uma breve história sobre sobrancelhas – por Márcio Grings

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Ângela morava em Paris há apenas três meses. É claro que ainda encontrava alguma dificuldade em se expressar plenamente ou entender as minúcias e desdobramentos da língua de Rimbaud. Uma coisa foram as aulas de francês, e todo o contato inicial com o idioma, no entanto, nada como o teste cotidiano em se deparar com os entraves da plena compreensão do vernáculo de um povo, isso dentro do território estrangeiro.

Enfim, o motivo de estar gastando seus sapatos na Europa passava principalmente por uma conclusão de Doutorado. Contudo, é claro que aproveitava seus raros momentos livres das obrigações acadêmicas, para que assim calmamente pudesse desfrutar dos cafés, livrarias e vielas de Paris. Nada como absorver de verdade todo o brilho de uma cidade que pode ser (nunca demasiadamente) apreciada em filmes, poemas e cartões postais. Imagina ao vivo! No intuito de total absorção, mantinha sempre os olhos bem abertos, aproveitando ao máximo tudo aquilo que a curiosidade insistia em imprimir dentro dela.

Nesse ínterim, aos poucos, o quebra-cabeça da língua começava a formar figuras e finalmente deixava de ser um emaranhado de formas descontínuas. Ângela já não mais ouvia por ouvir, deixou de agir como um cego caçando imagens no escuro. Agora, ela realmente escutava. E desde então passou a compreender detalhes da maneira de ser e sentir dos parisienses. Nada invasivo ou na intenção de xeretar a vida dos franceses. Apenas uma tentativa de aprender, compreender e melhorar o vocabulário, e principalmente, aumentar o repertório, abreviando dificuldades em se comunicar. Às vezes até mesmo com palavras de uso não indicado em alguma aula, protocolo ou pela famosa “etiqueta” francesa, entretanto, nada como adentrar no jogo coloquial e estar inserido dentro do contexto diário.

Era manhã de segunda-feira, Ângela caminhou pela Du Clos D’Orléans, rua em que fica a casa onde está hospedada, rumo à estação do metrô, próximo à Gare de Fontenay Sous Bois. Seu destino é a Sorbonne Nouvelle Paris 3, Universidade na qual faz seu doutorado-sanduíche. Ao embarcar, senta-se atrás de duas amigas que conversam e fazem gestos sem parecer se importar com quem estava próximo.

– O que eu faço? A última dele foi reclamar da minha sobrancelha. Disse que deveria ser mais delicada… Poxa, eu gosto da minha sobrancelha!

– Ah, bom, bela, porque se dissesse que ainda gosta dele, eu ia te xingar. Faz assim, sugere pra esse idiota procurar emprego numa estética. Assim, quem sabe ele mata a vontade de desenhar sobrancelhas o dia todo. Ah, e manda esse asno pastar, é óbvio!

Ângela ficou rindo sozinha.

A velha busca do amor e da aceitação é um desejo universal, refletiu.

Claro que a essência não se resume ao fato de uma sobrancelha estar bem delineada ou não, contudo – impressionante como as pessoas se submetem a minúcias como essa, em buscar migalhas de amor ou aceitação.

Coloca o capuz e sobe as escadas da estação. Puxa o espelho de maquiagem da bolsa e conclui que precisa encontrar uma esteticista para emparelhar suas sobrancelhas.

Ah, essas mulheres!

*****

Esse texto foi baseado numa história compartilhada pela amiga Carla Torres, jornalista que atualmente faz doutorado em Paris. Mademoiselle Torres também colaborou na crônica, ao sugerir desdobramentos e as linhas finais.

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