REPORTAGEM. Mesmo após a Kiss, Prefeitura foi incapaz de evitar eventos em locais sem alvarás
Por Maiquel Rosauro
Santa Maria tornou-se mundialmente conhecida pela tragédia na Boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013, que resultou na morte de 242 jovens e mais de 600 feridos. Contudo, o fato de ser a cidade do fatídico incêndio não impediu que novos eventos com grande concentração de pessoas fossem realizados em estabelecimentos sem às devidas licenças da Prefeitura. E embora tivesse conhecimento das irregularidades, o Executivo foi incapaz de impedir a realização.
O caso mais emblemático é o do Costa da Montanha, localizado na Estrada Municipal Jacobe Fortunato Visentini, próximo à Base Aérea. A Prefeitura emitiu Sanções de Embargo para lacrar o empreendimento antes de, pelo menos, três shows, que acabaram ocorrendo normalmente.
O Costa da Montanha começou a operar no final de 2015 e, até hoje, não conseguiu alvará de localização. Alguns dos eventos realizados no local ocorreram com a concessão de licenças temporárias da Prefeitura. É o caso dos shows de: Thiago Brava (14 de novembro de 2015), Jorge e Mateus (27 de novembro de 2015), DJ Alok (7 de dezembro de 2015), Show de Natal (19 de dezembro de 2015), Henrique Juliano (12 de março de 2016), Capital Inicial (8 de abril de 2016) e Marcos e Belutti (15 de abril de 2016).
As licenças foram baseadas no Decreto Executivo 159/2006, o qual estabelece que o promotor do evento deve ter, entre outras coisas, o comprovante de liberação do Corpo de Bombeiros.
Com base na Lei de Acesso à Informação (12.527/2011), o site teve acesso, via Câmara de Vereadores, ao Relatório da Fiscalização do Costa da Montanha realizado pela Superintendência de Alvarás da Prefeitura. Há cópias da documentação no Legislativo porque a vereadora Deili Silva (PTB) protocolou vários pedidos de informação referente às licenças do estabelecimento.
A primeira Sanção de Embargo é datada do dia 11 de março de 2016, uma sexta-feira, momento em que os proprietários da casa ainda não possuíam o licenciamento para o show do dia seguinte, de Henrique e Juliano. Contudo, na tarde sábado (12 de março), às 15h, a Prefeitura concedeu a licença temporária.
Dois meses depois, tendo em vista o anúncio de diversos eventos no local, os fiscais da Prefeitura, Idianes Silva e Julian Lameira, elaboraram um Relatório de Fiscalização, datado de 3 de maio de 2016, no qual salientavam a falta de licenciamento do empreendimento. O documento também alertava que o proprietário já havia sido notificado anteriormente.
Em 21 de junho de 2016, o Costa da Montanha recebeu uma Notificação de Auto Infração (NAI) por exercer, sem a expedição de licença, o 1º Festival Estadual Universitário da Música Sertaneja, que iniciou na noite de 18 de junho e se estendeu pela madrugada do dia seguinte. A multa, conforme o artigo 345 da lei Complementar 092/2012, foi considerada uma infração leve correspondente a 50 UFM (Unidade Federativa Municipal), que correspondeu a R$ 149,64.
Já em 23 de agosto de 2016, o Costa da Montanha recebeu novamente uma NAI pelo mesmo motivo anterior. Desta vez, a casa realizou nos dias 20 e 21 de agosto o 1º Encontro de Concessionárias (com shows sertanejos, DJs, recreação, playground infantil e exposição de carros). A infração foi considera média, 200 UFM, no valor de R$ 598,54.
A segunda Sanção de Embargo foi emitida em 12 de novembro frente à realização no dia seguinte do Show Cabaré (com os cantores Leonardo e Eduardo Costa), sem que a licença prévia fosse protocolada. Na ocasião, foi registrado um Boletim de Ocorrência relatando o caso.
A realização do Show Cabaré rendeu outra NAI ao Costa da Montanha. O documento inclusive cita as duas reincidências anteriores e aplica uma infração grave, de 1000 UFM, no valor de R$ 2.992,70.
Show de Luan Santana motivou Pedidos de Informação
Todos os casos citados acima se tornaram públicos na Câmara de Vereadores devido a denúncias que a vereadora Deili recebeu quanto à falta de alvará do show do cantor Luan Santana, realizado em 22 de outubro. A parlamentar protocolou o Pedido de Informação nº 8158/2016, de 31 de outubro, e recebeu como resposta o Ofício Nº 2846.
O documento com a resposta oficial pela Prefeitura não deixa dúvidas: “O estabelecimento Costa da Montanha não possui Alvará de Localização” e “Para o show em questão do cantor Luan Santana não foi requerida a Licença Temporária para o evento”.
Quem também recebeu denúncias na mesma época foi a própria Prefeitura. Uma vizinha do estabelecimento delatou, em 20 de outubro, a perturbação do sossego público em todos os eventos realizados no local, inclusive citando o show de Luan Santana que aconteceria dentro de dois dias.
Falta de efetivo policial impede fechamento da casa
A terceira Sanção de Embargo foi emitida em 2 de dezembro de 2016 e é referente ao show de Wesley Safadão no mesmo dia. A única diferença deste documento para os demais é que surge uma nova pessoa como responsável legal.
No mesmo dia, às 23h54min, o fiscal da Prefeitura, Juliano Marcello Jardim Cabral, responsável pelo fechamento e lacração do estabelecimento, registrou Boletim de Ocorrência. No documento ele registra que “procurou a Brigada Militar para pedir apoio policial para efetuar o fechamento, sendo que foi informado que não havia efetivo suficiente para o ato”.
O show de Wesley Safadão, assim como todos os demais citados nesta matéria, ocorreu normalmente. Em 5 de dezembro, um Relatório de Fiscalização assinado pelos fiscais, Juliano Cabral e Izidoro Parodi, aponta que o fato de haver um novo responsável pela realização do evento pode ser uma manobra para fugir de uma multa mais alta, uma vez que o Costa da Montanha é reincidente.
Também chama atenção no relatório a falta de comunicação entre Prefeitura e Estado para efetivar a lacração do Costa da Montanha.
“Em contato com o SGT Luiz Gustavo e SGT Flávia, os mesmos acionaram o Oficial encarregado Ten. Richard. Conforme informado, entraram em contato com o Comandante da Brigada Militar que informou que não tinha conhecimento de pedido de apoio por parte da Prefeitura e que naquele momento não poderiam apoiar fechamento devido à deficiência de efetivo e que o pedido deveria ser feito com antecedência”.
Emissão da licença temporária no dia do evento prejudica fiscalização
O site entrevistou o superintendente de Fiscalização da Prefeitura, Tiago Candaten, que está no cargo há quatro anos. Segundo ele, o serviço desenvolvido pelo setor é prejudicado pelo fato de a licença temporária ser concedida (ou não) apenas horas antes do evento.
“Acabamos descobrindo se o realizador do evento vai conseguir a licença temporária ou não no dia do show. Isso ocorre porque o responsável acaba tirando um PPCI temporário de um dia. Logo, o bombeiro faz a vistoria no mesmo dia do espetáculo. Caso o bombeiro negue o PPCI, o município não concede a licença temporária e a Fiscalização fica sabendo apenas no dia”, explica Candaten.
Por consequência, a Fiscalização acaba solicitando o efetivo da Brigada Militar de última hora para tentar, coercivamente, impedir que um show irregular ocorra. Quando não é possível contar com o apoio dos policiais, é realizado um boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPA).
Conforme o titular da DPPA, delegado Jun Sukekava, o procedimento é remetido para a Justiça e o autor responde por desobediência a uma ordem legal.
“Estamos à disposição da Prefeitura para dar o apoio para fechar os estabelecimentos que estejam irregulares. Mas este é um crime de menor potencial ofensivo. A pena é pequena e, para não responder de novo, geralmente, paga-se uma cesta básica”, explica Sukekava.
Outro lado
O site entrou em contato com o proprietário do Costa da Montanha. Todavia, após consultar seu advogado, ele afirmou que não pretende se pronunciar, neste momento, sobre os problemas que o local enfrenta para se regularizar.
Prefeitura voltou a conceder licenças temporárias em 2017
Mesmo com todos os problemas apresentados no decorrer do ano passado, a Prefeitura voltou a conceder licenças temporárias para o Costa da Montanha em 2017. É o caso dos shows Balada Loka (com Simone & Simaria e Anitta), em 13 de abril, e Matheus e Kauan e MC Kevinho, em 16 de maio.
Os shows de Anitta e Simone & Simaria, conforme noticiado na imprensa local, receberam cerca de 10 mil pessoas e geraram uma enxurrada de críticas nas redes sociais. Os principais problemas apontados eram referentes à organização do evento, como longas filas na entrada e difícil acesso ao local.
A superintendente de Alvarás, Fabiana Copette, que também segue na função desde a Administração Municipal anterior, aceitou conceder uma entrevista apenas via e-mail. Segundo ela, o Executivo mudou de postura em relação ao estabelecimento após os shows de 2017.
“A Prefeitura de Santa Maria, em uma atitude responsável de cumprimento da legislação e preocupada em garantir a segurança, chamou para uma reunião, no dia 15 de maio de 2017, o proprietário do empreendimento, informando a ele a descaracterização do local como Eventos Temporários devido aos sucessivos e rotineiros eventos realizados no espaço. Desta forma, as licenças temporárias não podem mais ser concedidas”, informa Fabiana.
Ainda segundo a superintendente, na mesma reunião foi proposto um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com medidas mitigadoras – para minimizar os impactos -, o que não foi aceito pelo proprietário do Costa da Montanha. A partir disso, não foram mais feitos pedidos licenças e não se realizaram mais eventos no local.
Fabiana também assegura que não foi dado um prazo para adequação ao Costa da Montanha, já que o proprietário está procurando obter o Alvará de Localização como Casa de Shows e Eventos.
Nota do site: No início da madrugada desta terça-feira (29), confira aqui no site a segunda parte da reportagem, com o caso de uma igreja que a Prefeitura também tentou fechar coercivamente e não conseguiu. E você também vai conferir a entrevista, na íntegra, com a superintendente de Alvarás, Fabiana Copette.
Será que as autoridades querem que aconteça de
novo ai ninguém e culpado todo mundo e inocente e ai a culpa e
das pessoas que foram lá continua tudo igual a dança das cadeiras continua
Meu Deus!
Para começo de conversa deveriam ao menos ter tentado ouvir o dono da casa de shows. Aspecto seguinte é: se os bombeiros liberaram não existe motivo para impedir o acontecimento. Além, não ficou claro se os proprietários do estabelecimento tentaram conseguir os alvarás, se a papelada está parada numa gaveta na prefeitura. Além, o estabelecimento é, ao que parece, um espaço a céu aberto cercado e isolado onde montam um palco quando existe evento. Não sei o que diz a legislação municipal a respeito (isolamento acústico? impacto vizinhança?). Aparentemente o maior risco não é nem incêncio. Talvez eletricidade (iluminação) e estrutura do palco (principalmente com vento). Ou seja, notícia que deixa mais dúvidas e perguntas do que certezas.
Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Até o dia em que cai.
O provisório/temporário PRA SEMPRE.
De grão em grão o empresario ganha de montão. Multa no valor de um ingresso do evento.
No bairro Rosário ninguém dorme. A bagunça é generalizada. Nada contra os proprietários dos bares, mas se eles precisam sobreviver, os moradores também precisam trabalhar. Os interesses devem ser conciliados. Não há respeito, não há fiscalização. Várias vezes já liguei pra prefeitura e pra brigada Militar… estão tomando providências. Enquanto alguém não for assassinado nas proximidades, nada muda.