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O copinho de felicidade – por Pylla Kroth

Tamanduá e São José eram localidades do distrito de Sobradinho. E foi daquelas paragens que saíram para tentar uma vida na cidade os colonos alemães, russos e mouros, Ottmar e Dalva de Moura Kroth. Ele passara no concurso da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan)  em uma especialidade preciosa, que tempos há atrás era preciso ter muito feeling para exercer: sondador de poços artesianos. No interior também era chamado de “poceiro”- perfurador de poços.

Junto de sua amada companheira começaram ambos suas andanças laborais. Tiveram cinco filhas mulheres e um filho homem. Devido a profissão do Seu Ottmar, que os fazia mudarem de cidade várias vezes, cada filho nasceu em uma localidade. Cada poço pronto um filho nascido, até chegar um ponto em que a família, já grande, teve que se instalar definitivamente em um lugar, pois o crescimento e educação dos filhos eram agora prioridade do casal.

Confesso que tenho lembranças do seu Ottmar estar em casa apenas no final de cada mês, isso era sagrado e era um evento. Ouço até hoje seus passos na calçada pela madrugada, chegando em casa, aquele cheiro de suas bagagens que para mim, menino, eram enormes –  ás vezes eu entrava na mala e minhas irmãs fechavam-na comigo dentro, imaginem! (risos) Junto com ele sempre vinha alguma novidade: um toca disco novo, discos, máquina fotográfica, balas, tecidos, enfim, tudo o que estava ao seu alcance ele trazia para presentear os filhos. Nunca deu uma “varada”, tampouco “palmadas” em um de seus filhos: bastava um olhar e uma “entortada de queixo” mordendo a língua que estava dado o recado.

Eram tempos difíceis, mas para o arroz e feijão sempre vinha dinheiro. Dona Dalva era, e é até hoje em seus 83 anos, uma mulher “muito prendada”, como diz o gaúcho. Fazia das tripas o coração pra manter a casa e os filhos bem alimentados e saudáveis. Geleias, chimias, bolos e tantas delicias caseiras que não cabe aqui escrever. Cantora, filha de cantor, ensinou e usou do canto seu artifício mais precioso na educação dos filhos até em momentos difíceis – e nos alegres então imaginem!  Às vezes em alemão, certas cantigas tradicionais, como “Noite Feliz” nas noites de natal.

Um de seus filhos, o “homem”, fez valer desses ensinamentos quando saiu de casa e foi definir sua profissão, não sem antes lembrar do alerta da mãe, da discriminação que um cantor sofreria na vida por parte da sociedade.  Pois ser cantor no tempo do pai dela não era considerado uma profissão e o sujeito era muito mal visto por onde passava, sobravam adjetivos para famílias não permitirem o namoro de suas filhas com um homem que fosse apenas cantor. Por essas e outras seu pai tivera um triste fim e isso lhe traz até hoje tristes lembranças, ou melhor:  nos traz! Mas eu afirmo o que meu colega contemporâneo falou em uma de suas canções: “a formiga só trabalha porque não sabe cantar” e ratifico: não sabe que pode-se trabalhar, e bastante, cantando!

Neste último Natal ela estava feliz da vida com seus seis filhos em casa, todos vivos, saudáveis e bem sucedidos na vida, inclusive o filho cantor dela, que não por ser homem, mas por ter seguido o caminho de seu pai, quebrou muitos tabus da sociedade e hoje se aposentou como tal. A família cantou e cantou até madrugada adentro, “a capela”, agradecendo aos deuses por terem sido generoso com todos. Ela em dialeto alemão repetiu o canto que ouço desde menino, mas parece que foi ontem: “Stille nacht! Heilige nacht! Alles schlaft, einsam wacht, nur das traute heilige paar, holder knabe im lockigten haar, schlaf in himmlischer ruh!”

Noite feliz, noite feliz… e não só de alegrias se vive o homem, ao final da cantoria, ela lembrou-se e nos lembrou de um natal já distante no tempo em que não tendo muito dinheiro para dar presentes aos seus filhos comprou uns copinhos que eram novidade da época, de plástico, com um canudo embutido no próprio e algumas garrafinhas de gasosa para comemorarem.

Esse para mim já teria sido por si só o melhor natal da minha vida. Mas ao me retirar do ambiente familiar, ela veio até mim e me perguntou: “lembrou do copinho então, é?”, ao que respondi: “Sim, mãe, e como não?!” Então ela me entregou o mesmo copinho que ela havia me dado há mais de 50 anos e que ela guardou durante todo este tempo com todo carinho!

Que felicidade encontrei nesta noite num objeto, como um pedaço do tempo guardado! A felicidade ainda mora em mim, depois de tudo o que já chorei na vida! Meu copo! Meu copinho! A vida tem lá as suas maneiras de nos ensinar o que é ser feliz. Aquele copinho hoje foi como ganhar um tesouro.

Desejo a todos uma boa virada de ano e que repensemos o que é felicidade e onde ela está, pois as vezes ela já foi nos dada, mas esquecemos de guardá-la com carinho devido. Tenhamos esperança. Que venha 2018, eu e meus amigos estamos agarrados e “arremangados” para lutar por dias melhores. Mesmo sabendo que vai piorar antes de melhorar. Mas a esperança é a última que morre e como diz uma outra canção que gosto “sei que se acaso cairmos em batalha, nos encontraremos em Valhalla”!

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