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Nosso ritmo – por Orlando Fonseca

É um modo muito comum, depois do período de carnaval, a imprensa referir a volta à rotina, com a expressão “o país retoma o seu ritmo normal”. Por “seu” ritmo, entenda-se a característica básica do corriqueiro e da ordem; por “normal” tome-se como provocação, ou insinuação – no mínimo – de que o que se vê durante as chamadas “folias de Momo” representam um estado de anormalidade.

É bem verdade, também, que as coisas começam a acontecer para valer depois da festa mais popular da Nação. Contudo, não é possível deixar de observar que, por aqui, o carnaval tem a sua cara bem diferente do que se vê em outras regiões do planeta. Por isso, representa, aos olhos de outros povos, algo tão brasileiro como o feijão com arroz, a caipirinha, e os dribles de Pelé que ainda se vêem nos pés de Neymar, William e Gabriel Jesus em gramados ao redor do mundo.

Ou seja, o que seria realmente o chamado ritmo brasileiro, ao qual voltamos na quarta-feira de cinzas? O antropólogo Roberto DaMatta o situa na cadência do surdo e do tamborim, que mexe com a estrutura da sociedade, as instituições nacionais, e mesmo com o que se poderia chamar de personalidade do povo. Tudo por aqui termina em samba, é o mote popular, e a carnavalização é mais do que uma tese.

Mas algo sem muita pressa. Ao contrário do que se tem observado na evolução das escolas de samba, especialmente as cariocas – o que acaba influenciando o resto do país: o ritmo dos sambas-enredos está mais acelerado. Como o número dos integrantes é muito maior, a escola, mais compacta, demora o mesmo tempo para atravessar a avenida, já os passistas são obrigados a demonstrar mais agilidade e jogo-de-cintura.

Igualzinho ao Brasil, até quando o samba “atravessa”, e quem tem de rebolar é o povo. Como as coisas só começam a acontecer em março – e não é só o calendário escolar, o próprio ano-legislativo também – tudo está pautado por este ritmo: reformas, projetos, mudanças. Se dá para deixar pra depois, não tem por que antecipar.

Agora, é significativo que a Escola vencedora no maior desfile carnavalesco do país seja a Beija-Flor, pois o enredo que trouxe este ano aponta para uma necessidade de transformação que não é apenas alegoria, mas o sentimento nacional. A festa está na alma popular, mas também reside aí um clima de inconformidade com o estado de coisas que vêm se acumulando ao longo de décadas. Impossível continuar nessa situação de desmandos, negociatas e falcatruas.

Um dia tem que chegar a dispersão em que, ao invés de se desmontar a celebração, se comece a realizar a comemoração, especialmente a parte da justiça e da comida. Dispersão não no sentido de afastamento, mas de irradiação de alegria e solidariedade.

Como o carnaval ocupa o tempo todo da cultura e da identidade nacional, é até um contrassenso falar em “carnaval fora de época”. Em todas as épocas do ano, neste “país tropical abençoado por Deus” o carnaval está dentro. Agora, pensando na gravidade do momento histórico, dando uma espiada na conjuntura, seria bom que pensássemos em “época fora de carnaval”. Até porque o calendário de 2018 registra uma grande “época”. E não falo da Copa do Mundo, que também é importante, mas o chamado “período eleitoral”.

É bom tirar a fantasia por uns momentos, pedir aos candidatos para que tirem as máscaras para se ver o conteúdo. Disso depende a alegria da festa e o ritmo no qual o Brasil vai desfilar na avenida, pelos próximos quatro anos.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem de passista, que ilustra esta crônica é de Bruno Campos (Fotos Públicas)

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