Sinto que também morri – por TATIANA PY DUTRA (*)
Senhoras e senhores, perdoem o meu egoísmo (não sei se é essa a palavra), mas eu sinto que também morri.
Morri e estou dormente, viajando no astral, num sono reparador após 38 anos de lutas interrompidas por uma saraivada de tiros, numa emboscada covarde.
Durmo e não sei me expressar com palavras. Só sei sentir.
Sinto cansaço.
Mas também sinto vontade de urrar e enfiar as unhas no reboco da parede; e de esfregar o cimento até fazer sangrar os dedos; de rasgar as roupas e sair grintando, nua e descalça, pelas ruas:
– Canalhas!
Quero “agredir” a população com meus cabelos indomáveis e insubordinados a qualquer grampo.
Quero expor minhas pelancas e cicatrizes.
Quero que Me aturem!
Quero esbofetear a autoridade. Quero cuspir e sapatear na cama dela com as botas embarradas.
Depois, eu quero chorar abraçada no ombro da amiga. Quero soluçar a insatisfação e a tristeza que me animalizam e que não sei fazer sair pra fora.
Quero que a Justiça se materialize na minha frente pra eu voltar a acreditar em liberdade.
Quero que o poder seja do povo para eu acreditar em Justiça. E que o povo tenha educação para entender que a Justiça deve ser igual para todos.
Quero respeito aos pobres, aos pretos, aos periféricos.
Quero a palavra da mulher sendo levada a sério.
Quero que a morte dos 242 anjos, da Cláudia Silva Ferreira, do Amarildo, do Teori, da Marielle e o Anderson e de todas as outras vítimas da barbárie, antes e depois deles, nunca sejam esquecidos.
Eu tenho vontade de gritar. Não grito, mas sinto minha garganta arder e meu coração sangrar.
Quero saber quem me matou.
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(*) Tatiana Py Dutra é jornalista e, além das atividades profissionais, mantém o “Blogue da Tati Py”. É lá que o texto foi originalmente publicado, na quinta-feira, e é reproduzido aqui, com a autorização dela.
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