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Brazão – por Orlando Fonseca

Como substantivo comum, e atualmente escrito com “s”, o termo que dá título a esta crônica está ligado, semanticamente, à nobreza, aos valores aristocráticos e ao código de honra militar. Pelo que nos mostram dicionários do século XIX, naquela época a palavra podia ser escrita com z ou com s: brazão/brasão. Bem, mantida a grafia antiga, na condição de substantivo próprio, o termo se relaciona, hoje, ao menos com duas situações nada nobres, que misturam política e polícia, na geleia geral que virou a vida pública em nosso país. Nos últimos dias, os irmãos Brazão foram indiciados, através da investigação da Polícia Federal, para finalmente desvendar os mandantes da morte de Marielle e do motorista Anderson Gomes (crime que abalou o Brasil, há 6 anos). Semana passada, o nome de um dos implicados, o deputado Chiquinho Brazão voltou à cena, como emblema da baixeza do parlamento em Brasília: em votação na Câmara dos Deputados, para manter a prisão preventiva do indigitado, o placar é bem um termômetro do que se tem visto e ouvido sobre a atual conjuntura brasileira. O que vemos no Brasão de Armas – um dos símbolos pátrios – não serve para representar o tenebroso quadro que se apresenta.

A Família Brazão está no centro de um caso emblemático na maneira como a corrupção misturou negócios particulares, milícias e gestão pública no Rio de Janeiro. Domingos Brazão, antes de ser preso, exercia o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Rio; seu irmão citado era deputado federal, tendo exercido vários mandatos como vereador na ALERJ, (também foi preso o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro). Ostentando no nome a designação de uma peça que serve como insígnia de honra e glória, desses dois se diz que a única orientação política da família Brazão é a “Família Brazão”. Tudo o que interessa são apenas os objetivos do próprio clã, muito ao estilo da máfia siciliana. Na Cidade Maravilhosa, isso quer dizer uma reunião na mesma turma de políticos, bicheiros, líderes do tráfico e milicianos.

Acrescentando mais um símbolo neste brasão, a classe política (sobretudo os deputados federais) deu uma demonstração clara de sua degradação moral e ética, na votação para ratificar a autorização ao Supremo Tribunal Federal para processar o deputado federal Chiquinho Brazão. No dia 25 de março, a primeira turma do STF confirmara, por unanimidade, a decisão que levou à prisão dos suspeitos de arquitetar e ordenar os assassinatos. Já no dia seguinte, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados começou a analisar a prisão de Chiquinho, que acabou seguindo o parecer do relator, favorável para que a Câmara mantivesse a prisão do deputado. E então o placar que não deixa dúvida: foram 277 votos a favor de manter a prisão e 129 contra; houve 28 abstenções. Observe-se que, dos 513 deputados, era necessária a aprovação do quórum mínimo: metade mais um, ou 257 votos. Pela dimensão que o caso assumiu aqui e pelo mundo todo, pela repercussão na mídia já há seis anos, e ainda, por se tratar de um crime contra a política, a expectativa mais simplória de quem acredita na democracia e nos valores republicanos apontava para uma margem maior, na faixa acima de 300 votos. Entre os que deram a cara a tapa, em plenário, votando pela soltura do deputado ou se abstendo, e os que se ausentaram (83) é de se ficar estarrecido com tamanha desfaçatez.

Nesse turbilhão de notícias escabrosas, assassinatos, crescimento de extremismos fascistas, embate com o STF, disputa por hegemonia na Câmara (e no Congresso) em geral, resta-nos acreditar que no brasão ideal não haja mais espaço para símbolos de conluios e transações tenebrosas nos descaminhos da República. E isso é trabalho para quem realmente acredita em valores da Pátria e da família, mas não estas que mandam matar seus desafetos para manter seus negócios escusos.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

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6 Comentários

  1. O que é importante e pouco se fala? Uma mudança grande no Codigo Civil que ja tem sua cortina de fumaça interna: pauta dos costumes. Deve haver muitos jabutis la dentro. O rombo bilionario no orçamento deste ano e do ano que vem. Se não da para atingir a meta muda-se a meta como diria Dilma, a humilde e capaz.

  2. Alas, Elon Musk tem uma prole de 11 (acho que o numero e este, nunca se sabe). A mais velha se chama Vivian. Antes se chamava Xavier. Apos entrar para a faculdade (onde não ha doutrinação) declarou-se marxista. O pai ficou sabendo disto por terceiros. Alas, criatura tirou o Musk do nome e ficou só com o nome da mãe. Virou ‘lenda’ porque é uma ‘comunista que acha que toda pessoa rica é do mal’. ‘Lenda’ porque comunista não existe, obvio. Também é obvio que não fala mais com o pai. Vamos ver na hora da herança.

  3. Assuntos predominantes agora são BBB e oriente medio. Pululam ‘especialistas’ no assunto. Até o Elon Musk saiu do foco.

  4. Não li o processo ou a decisão do Tribunal. Pouco me lixando para o caso. Se o voto de alguns deputados desagradou alguém, bom lembrar, quem não gostou que não vote mais neles. Ah! Vermelhos querem condenar os politicos no tribunal da opinião publica. Senhores da moral e da razão. Pouco me lixando.

  5. Vermelhos sempre tentam pautar a sociedade. Anacronicos, dogmaticos, felizmente tentam chamar atenção para assuntos para os quais a grande maioria está c@g@ndo.

  6. ‘Pela dimensão que o caso assumiu […] e pelo mundo todo, […]’. Não teve esta repercussão toda la fora. Brasil não tem esta importancia toda e o espaço noticioso em qualquer lugar é limitado. Coisas escabrosas não são dificeis de achar.

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