Na versão brasileira do jornal espanhol EL PAÍS, em texto de RODOLFO BORGES e foto de Reprodução
Os caminhoneiros que protestaram contra o aumento no preço do diesel por longos onze dias estacionaram, junto com seus veículos, o Governo Michel Temer no acostamento. Cambaleante desde maio de 2017, quando eclodiu o escândalo da JBS, o Palácio do Planalto vai dando um adeus definitivo à agenda de recuperação econômica, sua última base de sustentação junto a influentes investidores e empresários. O último bastião a cair, na crise ainda inconclusa, foi a bandeira de recuperação da Petrobras, com a saída de Pedro Parente na sexta-feira. O panorama ameaça levar embora o capital eleitoral do grupo que rodeia o presidente e que, apesar dos níveis abissais de popularidade, terá nas mãos a máquina pública na eleição deste ano. A quatro meses do pleito, as peças passam por uma nova arrumação no tabuleiro. Em nível estadual, quem parece ter crescido mais em meio à confusão é o governador de São Paulo, Márcio França (PSB).
“Assumindo que a eleição é um plebiscito do atual Governo, [a greve] aponta na direção de vitória de projetos oposicionistas”, analisa o cientista político Rafael Cortez, sócio da consultoria Tendências. Para ele, o pré-candidato à presidência que mais sofre com os protestos dos caminhoneiros é o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (MDB), que carrega o legado do atual Governo. Mas o grande perdedor pode acabar sendo o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB). “O PSDB, a centro-direita reformista, flertava com a possibilidade de desenhar um acordo com o MDB, para acumular horário eleitoral, recursos, estrutura partidária, e desconstruir a competição nesse espectro. O ponto de interrogação que essa crise coloca é se essa ainda é uma estratégia boa para recuperar o eleitor indeciso ou que aderiu ao [deputado federal pelo PSL] Jair Bolsonaro”.
Alckmin segue impassível em sua articulação político-partidária de bastidores. Na segunda-feira, durante evento na Associação Comercial de São Paulo, o ex-governador disse que “os caminhoneiros já deram o seu recado, o Governo atendeu ao que pôde e agora é hora de nós restabelecermos o transporte”. “Os hospitais precisam de remédios, a população precisa de alimento. O que devemos fazer agora é retomar a atividade econômica”, disse o tucano. Um dia depois, o ex-governador subiu o tom e foi para cima de Bolsonaro sem mencioná-lo diretamente: “Estes pré-candidatos que flertam com a intervenção militar, com a ditadura, não deveriam nem ser candidatos porque não acreditam no regime democrático e a democracia é o caminho que levou o mundo inteiro a uma vida de renda melhor”. No final da semana, no entanto, até ele acabou criticando indiretamente a política de preços da Petrobras, levada a cabo por um nome tucano, Pedro Parente. “Precisamos definir uma política de preços de combustíveis que, preservando a empresa, proteja os consumidores”, escreveu no Twitter.
Enquanto Alckmin tentava se alinhar com a insatisfação, Bolsonaro fazia jogo dúbio. Depois de incentivar os manifestantes e prometer até anistiar quem fosse multado, o presidenciável que demonstrou mais desenvoltura durante a crise dos combustíveis — e cujo nome foi mais ouvido de forma espontânea nos protestos — pediu pelo fim dos protestos. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele chegou a refrear os ímpetos daqueles que defendem a intervenção militar. “Se tiver de voltar um dia, que seja pelo voto. Aí chega com legitimidade, não dá bandeira para o PT dizer ‘abaixo a ditadura’ ou ‘foi golpe’. Porque aí foi golpe mesmo”, disse. Sobre o desespero de mudar a situação, ele ainda completou: “Querem tirar o Temer? A eleição está chegando, faltam cinco meses.”
O cientista político Paulo Kramer enxerga, pelo menos via redes sociais, uma vantagem significativa para Bolsonaro na mobilização dos caminhoneiros. Para ele, a ausência de uma candidatura de centro competitiva torna os problemas expostos pela insatisfação popular ainda mais complicados. “Surfando na onda dos protestos, uma candidatura como a do Bolsonaro pode se sentir tentada a voltar aos seus mais primitivos instintos estatizantes e nacionalistas. O Brasil precisa do contrário disso”, diz o professor da Universidade de Brasília (UnB), para quem o protagonismo nos movimentos de insatisfação política aumenta a responsabilidade do deputado federal pelo Rio de Janeiro neste momento.
Entre os governadores, o destaque do movimento é claramente Márcio França (PSB), que chegou a sugerir que Temer nacionalizasse o acordo que ele firmou com os caminhoneiros em São Paulo. O sucessor de Alckmin conseguiu interlocução direta com os caminhoneiros no vácuo deixado pelo Governo federal e fechou um acordo enquanto o Planalto batia cabeça. Temer esteve, inclusive, na sede do Governo paulista na noite de segunda-feira para discutir a questão com França. O prefeito da capital paulista, Bruno Covas (PSDB), também atravessou a crise sem se machucar além do inevitável.
Esquerda
O outro projeto alternativo que pode se beneficiar da queda em desgraça do Governo Temer é o da esquerda, que praticamente garante um lugar no segundo turno se chegar unida ao pleito de outubro, aposta Rafael Cortez. “O problema é garantir essa união. Ao mesmo tempo em que se aumenta o potencial eleitoral do campo como um todo, dificulta-se a construção dessa unidade”, diz o cientista político, fazendo referência ao PT e às pré-candidaturas de Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PCdoB). Segundo ele, o PT segue com os dois grandes status do campo esquerdista — é o maior partido de oposição e tem o líder mais popular, ainda que preso —, o que dificulta abrir mão de candidatura própria.
Afora os possíveis impactos para os arranjos políticos partidários, a herança da paralisação para o debate eleitoral também vai se desenhando. De maneira geral, para Cortez, os protestos traduzem um quadro de crise de confiança da sociedade com a política e acendem uma luz amarela sobre o debate da crise fiscal na eleição – é o próximo presidente ou presidenta que vai herdá-la – e para pior ainda para uma agenda reformista liberal. “Os governistas não conseguiram nem explicar que, quando se faz uma bondade aos caminhoneiros, quem paga o boleto é o resto da sociedade”, resume Paulo Kramer.
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Se faltasse uma semana para as eleições até faria sentido a análise. Até imagino o que aconteceria se um movimento com os mesmos efeitos ocorresse na véspera do pleito.
Temer não perdeu nada, ao menos nada significante, porque não tinha nada. Meirelles não se elege deputado federal.
Analistas que não previram a possibilidade de um movimento de caminhoneiros falam sobre os efeitos sem saber o que ainda pode acontecer de diferente para influenciar a eleição. Ainda tem a Copa, A memória da população não vai tão longe. O ‘Marielle presente’ sumiu, por exemplo.