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Conhecer para amar – por Orlando Fonseca

Em reportagem do Jornal Diário de Santa Maria, no final de semana, ficamos conhecendo o Jaime, estofador que trabalha há 18 anos, em um prédio da Avenida Rio Branco. Dentre os inúmeros empreendimentos e residências que existem naquelas quadras do centro de Santa Maria, nunca pensei em uma estofaria. Também não havia pensado em como as pessoas que por ali transitam, no cotidiano da cidade, veem o cenário urbano, ou mesmo intuem a sua história. Mas o testemunho desse trabalhador reflete, de modo geral, como nos relacionamos com nossa cidade. Tiramos dela o proveito que entendemos o melhor, e nisso não há pecado algum, nem mesmo incivilidade ou falta de urbanidade; vivemos o tempo que temos de viver em suas ruas e prédios e, no entanto, seguimos atentos o nosso caminho, preocupados com as nossas demandas e metas. A matéria jornalística permite que se faça um parêntese nesse modo de ver a realidade próxima, para saber que uma cidade é mais do que o concreto, asfalto, redes de esgoto ou de eletricidade, casas ou condomínios residenciais; é mais do que a soma de nossos objetivos como pessoas ou cidadãos. E inclui a nossa participação, nossa memória e nossos afetos, para que não se torne um lugar, no mínimo, desumano, para as futuras gerações.

Certamente, se o estofador estivesse retornando àquele lugar, daqui a 48 anos – quando já estaria próximo aos cem anos -, não haveria de se satisfazer em notar que ali, naquele ambiente por onde circulou mais da metade de sua vida profissional, onde ganhou a sua subsistência e de sua família, não existe mais o lugar onde viveu por tanto tempo. Mesmo que o lugar tenha sido ocupado por um vistoso prédio residencial ou tenha se tornado um centro comercial moderno. E mesmo que não fosse o Jaime, mas qualquer pessoa que tenha entendido o valor da atividade dele, e o valor arquitetônico do prédio ali construído, também se frustraria em ver que não há mais vestígio da história que se construiu por anos naquele endereço. No entanto, é o que se está fazendo com muito do patrimônio, importante para a memória da cidade. Na década de 40 do século passado, portanto, há quase 80 anos, iniciou-se uma história que pode estar com os dias contados. E nisso não há alarmismo trágico, basta tentar fazer um levantamento de tudo o que já veio abaixo, pelo simples gesto de desarrumar o passado, para preparar um futuro que não sabemos bem qual será.

Pouca gente, em nossa cidade, sabe o que é Art Déco. Entretanto, dispomos dos poucos exemplares em via contínua do mundo, ali nas quadras da Rio Branco. Iguais a estes só em Miami, nos EUA. Mas não importa o conhecimento do que seja o modelo arquitetônico. Alguns dirão que, por isso mesmo deve vir abaixo, incluindo aí a idade e a falta de conservação. A questão é que, para que se ame esta cidade, chamada de Coração do Rio Grande, é preciso exercer outro valor caro para a identidade do Município, também conhecido como Cidade Universitária e Cidade Cultura (este título, oficial há 50 anos): é preciso conhecer. As pessoas não esquecem o que amam, e só amam de verdade o que conhecem. Inclusive, as preliminares desse mais profundo dos sentimentos humanos começa com o desejo de “se conhecer”. Por isso, nesta semana em que o Prefeito terá o poder de vetar as mudanças propostas no Plano Diretor, teremos um tempo para refletir sobre a importância dos símbolos materiais da nossa história. Pelo olhar, pelo tato, pelo sentido de pertencimento, poderemos construir o afeto cidadão de que tanto carecemos. Que não se tornem invisíveis em nossa passagem, atarefados com os compromissos cotidianos. E que também não se tornem invisíveis apenas pelo interesse econômico. Para que a cidade fique bonita para nós, moradores, e se mostre com o nosso orgulho aos que nos visitam.

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