Contos

Bicho da chuva – por Tânia Lopes

A empregada acordara cedo, inquieta. A cabeça dava voltas, seu coração e humores internos se rebelavam pela vida insípida que levava. – Amanhecera abafado… – pensava.

Encostou na parede a tranca da porta que fora aberta bem cedo. O cincerro amarrado numa das pontas fez barulho. Relembrou quando a engenhoca fora posta pelo patrão:

– É pra ninguém sair na calada da noite! Se alguém tentar, ouço o barulho!

Ele pusera também redes metálicas pregadas nas janelas dizendo que assim nem precisavam queimar esterco de vaca seca para espantar os mosquitos!

Que nada! Era outro aviso para suas três filhas adolescentes e para a empregada bonitona, moça ainda. Nem ela nem as gurias mesmo que resmungando de brabeza, não “piavam”.

– Ó… – falara a mãe – O pai de vocês não tá de brincadeira. Nem se atrevam a desrespeitá-lo! E tu também, que só sai daqui casada, como prometi para tua mãe!… -arrematou, olhando para a empregada.

Todas as férias era essa luta… Não faltavam galanteadores se chegando à porteira com os pretextos mais variados. Ora procuravam um terneiro desgarrado, ora vinham para falar do tempo, dum raio que matara uma vaca, ou da lavoura que estava carecendo d’água… Coisas assim. Os “visitantes” eram recebidos pelo velho que saía “despacito” da casa, enrodilhando a açoiteira na mão, batendo com o relho de enchiqueirar na perna. Economizava as palavras, e de cara fechada despachava os viventes. Alguém que se atrevesse pra ver!

Pois o velho tivera que chamar um entendido para colocar uma caixa d’água e um motorzinho que substituiria a bomba manual de tirar água do poço. Com a chegada da eletricidade rural as coisas iam melhorando.

O homem e seu auxiliar chegaram num caminhão velho, descarregaram o material e iniciaram o trabalho. O moço bateu os olhos na empregada que varria a área da frente. Ela se refugiou na cozinha, mas volta e meia o espiava na porta.

Trocaram olhares e poucas palavras quando ela fora lhes levar comida ao meio-dia, e no fim da tarde uma caneca de café-com-leite com pão feito em casa, quando já estavam acabando o serviço.

– Vai melhorar a lida pra ti… – falou o homem – Não vai faltar água, o motorzinho vai puxar do poço. Ela sorriu, mas não respondeu. Ele falou atrevido:

Quem sabe eu deixo um probleminha aqui, pro home me chamá de novo?… Ou, quem sabe amanhã tu não resolve ir embora comigo? – falou sério olhando bem nos olhos da moça – Foge, e me espera na estrada. “Vamo se bandeá” para o lado do Norte que aqui está escasseando trabalho… Contigo eu caso! Ah! Se caso! – falou sorrindo.

– Por que não? – Ela falara baixinho, com o coração aos pulos e meio envergonhada.

Ele ouviu, sorriu e nem desarrumou o arrumado.

– Me espera amanhã na tapera da estrada, então…

Ela, na tarde anterior, vira os “bichos da chuva” amontoados uns sobre os outros, vindo para o lado Sul e também nuvens carregadas que davam conta da chuva grossa que cairia. Aproveitando que o velho já fora para a cidade levar as gurias para o colégio e a patroa guardava coisas lá nos quartos, rezou para Santa Bárbara, pegou a palma benta e colocou num copo d’água. Antes que o dia recém-nascido virasse noite com o temporal, estaria longe. Saiu se esgueirando com uma sacola de roupas… Diferente dos bichos de chuva que perdem as asas, ia voar para o Norte com sua ousadia!

A AUTORA

Natural de Itaqui e professora de Artes Plásticas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Tânia Lopes é detentora da cadeira número 8 da Academia Santa-Mariense de Letras, cujo patrono é Érico Veríssimo. Já publicou mais de 11 obras e, em 2004, foi a patronesse da Feira do Livro Infantil de Santa Maria.

Este conto foi publicado com autorização da autora. Crédito da imagem no topo da página: Rudy and Peter Skitterians / Pixabay. Crédito da foto da autora: Lucas Linck / LABFEM-UFN.

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo