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CRÔNICA. Orlando Fonseca e a defesa da instituições públicas de ensino, ameaçadas por corte orçamentário

Universidade para quê?     

Por ORLANDO FONSECA (*)

Se o projeto de cortar investimentos dos cursos de filosofia e sociologia for uma ideia “modernizante” do atual governo (eleito democraticamente, ainda que isso me deixe pasmo) creio que está na contramão do mundo (ao menos a parte civilizada). Sem pensar muito, pareceu-me, de imediato, tratar-se de um retrocesso, portanto, um atraso.

Preciso lembrar que os países desenvolvidos começam a se preocupar com o futuro da humanidade (e não com o passado de ignorância e barbárie). Por uma singela e óbvia razão: a Inteligência Artificial está na iminência de se tornar hegemônica no Planeta. Coisa de uma ou duas décadas, segundo alguns, quando a produção industrial, a pesquisa de ponta, a medicina, a operação da justiça, a educação, enfim, os grandes eventos humanos serão comandados por robôs, por potentes computadores.

Estes, criados, quem diria, pelo ser humano, aperfeiçoados pelo ser humano com a ajuda da máquina que, tendo aprendido tudo o que o ser humano é capaz, em breve seguirá aprimorando o seu desempenho sem mais a ajuda da inteligência humana.

Num quadro como esse: como fica a ética? Como sobreviverão as relações interpessoais? Como será a sociedade feita de gente de carne e osso? Máquina não precisa de filosofia (só de processadores) e de sociologia (apenas redes de fibra ótica), mas os seres humanos vão precisar cada vez mais.

Não sei, no entanto, se os técnicos do novo(?) Ministério da Educação tenham pensado em tudo isso. Pelo comportamento errático dos que lá estão, nada disso parece ser objeto de preocupação. Para eles, que usam (ou deveriam usar) a Inteligência Natural, a filosofia e a sociologia (e todas as disciplinas das Humanidades) não têm importância, pois só têm servido – porque se baseiam em fotos de redes sociais e fake news – para promover balbúrdia.

Entretanto, só para lembrar alguns, dentre os cientistas brasileiros mais citados no exterior (que é o restante do mundo) três se destacam por estudos na área de Humanidades: Josué de Castro, Milton Santos e Paulo Freire.

Se fosse verdade a noção esdrúxula (que grassa no meio dos que apoiaram e elegeram o atual governo) de que a Universidade pública está eivada de ideologia socialista, de grupos comunistas e esquerdopatas de todo tamanho,  não teria havido o impeachment da Dilma, ou o Temer teria caído no primeiro ano, e, enfim, não seria eleito o governo atual (legitimamente eleito, a despeito de meu espanto). Simples assim (o mais é esquizofrenia).

Para um povo que acha que a defesa dos Direitos Humanos é coisa de esquerdista, não dá para esperar outra coisa mais elaborada do que xingamentos. Contudo, é preciso ir além dos tuítes, é preciso pensar a educação como estratégia de desenvolvimento: qual o projeto para os investimentos nas escolas do Ensino Básico do país – que diz o ministro ser a prioridade – uma vez que a Lei do Fundeb perde vigência no ano que vem? Grande parte dos pequenos municípios brasileiros não terão como bancar financeiramente a educação infantil, alfabetização e o ensino fundamental.

De outra parte, se a ideia é sufocar as IFES, com a finalidade de privatizar o ensino, estará acabando com a única planta instalada com capacidade de produzir pesquisa de ponta no Brasil. As Universidades Públicas (federais e estaduais paulistas e carioca) são responsáveis por mais de 90% da pesquisa no país, a que mais gera patentes de produtos e invenções no país. O que vai conseguir é o atraso, fazendo o país retornar à produção primária de um exportador de commodities,

Portanto, o que o país precisa é de mais e não menos investimentos no ensino universitário, pois em breve, 80% das profissões que existem hoje, já não vão existir, em um mundo totalmente conectado e tecnológico. O maior desafio das próximas décadas será manter o humanismo, e dar funções novas para as gerações que hoje ainda frequentam o ensino básico.

A universidade precisa se preparar para isso. E não é estrangulando o orçamento que se vai chegar a um ensino melhor. Aliás, tratar a educação do modo como vem sendo neste início de 2019, isso sim é apostar na institucionalização da balbúrdia.

(*) ORLANDO FONSECA é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e  Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é de Reprodução e faz parte da Campanha lançada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)

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9 Comentários

  1. O Brando:

    Obrar: significado de obrar no Dicionário Aurélio de Português Online
    Proceder. Expulsar os excrementos pelo ânus. Fazer um trabalho, uma tarefa. Pôr em obra. Operar. Causar. Fazer um trabalho, uma tarefa. Pôr em obra. Operar. Causar.
    https://dicionariodoaurelio.com/obrar

    1. Obrando
    Significado de Obrando Por Dicionário inFormal (SP) em 28-10-2013
    Gerúndio do verbo obrar.
    Que está trabalhando para alguma coisa. Pode ser também o indivíduo que está evacuando.

  2. Privatizar as IFES é piada, quem vai colocar dinheiro nelas? Lugares onde boa parte dos funcionários não ‘bate ponto’ e os demais não querem ‘bater’? O que fazer com um planta instalada que é praticamente inútil?
    Brasil já é um pais exportador de commodities. Alás, governo Molusco surfou esta onda bem feliz. E não é difícil encontrar um petista que gosta de encher a boca falando ‘pré-sal’.
    Se em breve 80% das profissões que existem hoje já não vão existir, quantos cursos das universidades são obsoletos? Quantos são fadados à extinção? É racional colocar mais dinheiro nestes cursos?

  3. Esquerda ‘encampou’ os direitos humanos e os monopolizou para uso como ferramenta política. Para prejuízo dos mesmos, óbvio.
    Fundeb vai ser renovado, o mais é ‘terrorismo temporário’, não sei o que ganham com isto.
    Constituição de 88 deixou o Ensino Básico do país na mão de estados e municípios. Justificativa na época era razoável: ensino superior era mais caro porque incluía a pesquisa. Esta última não deu o resultado esperado e o ensino básico foi para as cucuias. Existem obviamente exceções, lugares onde a pesquisa deu resultado e lugares onde o ensino básico funciona.

  4. Esdrúxula é a noção de que a Universidade pública poderia evitar o impeachment de Dilma, a humilde e capaz, derrubar Temer ou barrar a eleição de B17. Dilma, a humilde e capaz, não conseguiu nem comprar os 30 votos que a livrariam na Camara, votos que estavam a venda. O que isto tem a ver com o aparelhamento das IFES? Nada.

  5. Milton Santos faleceu em 2001. Paulo Freire em 1997. Josué de Castro em 1973. Quanto ao número de citações ninguém é obrigado a acreditar em informações ‘tiradas do bolso’. Mais, humanidades no exterior também tem muita gente de esquerda, sem falar nos estudantes brasileiros que para lá se dirigem. Alás, chamar os três de ‘cientistas’ é alargar muito o conceito.

  6. Lembra outra falácia que apareceu por aí. Filosofia (e as humanas) seriam fundamentais para o desenvolvimento da inteligência artificial. No sistema educacional brasileiro, do jeito que está estruturado, alguém de filosofia ou psicologia trabalhar com inteligência artificial é praticamente impossível.
    Filosofia hoje em dia serve muito para frases de efeito e memes nas redes sociais. No futuro não é possível saber. Exemplo é bem óbvio, 15 anos atrás (se tanto) inteligência artificial era assunto restrito a círculos bem restritos.
    Ocorreram excessos nas universidades, muitos acreditam que os campi são territórios livres, tudo é livre, tudo rola.

  7. Países desenvolvidos cuidam dos próprios interesses, o resto é discurso para agradar a torcida.
    Hegemonia da inteligência artificial é chute, principalmente daqui uma ou duas décadas. Fusão nuclear, por exemplo, é promessa da resolução dos problemas energéticos da humanidade pelo menos desde a década de 40. Ainda não virou realidade. Há muito investimento em pesquisa na área, empresas privadas nos EUA, governo chinês, mas não existe garantia nenhuma. Existem resultados intermediários que têm valor considerável, o trabalho compensa.

  8. Moda hoje em dia, inclusive em análise política, o autor formular uma hipótese e desenvolver raciocínio baseado na mesma. Questão é que conclusões são tiradas já assumindo que a hipótese é verdadeira, ou seja, um castelo de cartas argumentativo.
    Senão vejamos, B17 falou em ‘descentralizar’ investimentos em sociologia e filosofia. Segundo a criatura ‘O objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina’. Logo não tem nada a ver com ‘modernizante’.

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