Um “Feliz” Dia do Trabalhador
Por PYLLA KROTH (*)
Em função de hoje ser o dia dedicado ao trabalhador, em vez de uma crônica optei por fazer e compartilhar aqui o resultado de uma rápida pesquisa de conhecimentos gerais a respeito da história do trabalho e do trabalhador.
Honestamente acho que nunca parei para pensar detidamente sobre o assunto. Sempre me pareceu que trabalhar, no sentido de obter recurso para necessária sobrevivência e o todo inerente a ela, assim como quem trabalha, é algo que sempre existiu no conceito comumente conhecido. E que sempre houve quem trabalhasse e quem não, desde que o homem existe sobre este mundo.
A primeira coisa que percebi ao refletir sobre o assunto é que muita gente boa comete o erro comum de apenas considerar trabalho “de verdade” aquele que demanda esforço físico, o trabalho pesado, braçal, obviamente por que é um conceito, ou mais provavelmente um preconceito histórico, que vem desde muito tempo atrás.
Na antiguidade praticamente todo trabalho braçal era feito por servos ou escravos, e em algumas civilizações até mesmo o trabalhador intelectual era um servo. Mesmo o trabalho dito remunerado tinha uma proximidade enorme com a escravidão ou servidão, especialmente dentro dos sistemas feudais onde a remuneração consistia basicamente num escambo de trabalho por alimentos ou artefatos. No Antigo Egito a féria diária de um trabalhador remunerado tinha o valor de um cesto de pães e meio jarro de cerveja, por exemplo. Na Europa medieval, milênios depois, as coisas caminhavam neste mesmo passo ainda, embora neste meio tempo tenha existido a troca de alguns tipos de trabalho, não executados por escravos, por moedas no Império Romano, na Grécia Antiga e civilizações orientais.
O fato é que o trabalho e o trabalhador amparados por direitos, ainda que repletos de deveres são coisas recentes, oriundas da Revolução Industrial e seus desdobramentos em outras revoluções, como a Revolução Francesa e diretamente ligadas à ascensão da burguesia. Pois sim, pasme quem eventualmente não saiba, a burguesia lá em suas raízes mais antigas era a classe trabalhadora, os habitantes dos burgos europeus considerados classe inferior pelos nobres que realizavam o comércio e foram o embrião do capitalismo.
O período em que a Europa via a classe trabalhadora, agora remunerada e começando a exigir seus primeiros direitos, fomentando suas revoluções, coincide com o momento das grandes navegações e as “descobertas” de novas terras e da fundação de colônias onde, num ato de desespero por sobrevivência, o sistema feudal foi implantado com toda força, e com ele as relações do trabalho e trabalhador servo e escravo.
Desafortunadamente, foi justamente nesta época que o Brasil, que ainda não se chamava Brasil, foi “descoberto”, ou melhor: invadido. As etnias que aqui viviam nunca haviam passado por uma revolução industrial. Na verdade não haviam chegado nem mesmo a uma revolução agrícola, mal haviam saído, algumas delas, do estado nômade coletor que remontava à pré-história. O trabalho para estes era simplesmente uma atividade natural inerente à sobrevivência, onde cada gênero executava diferentes tarefas. Não poderia, assim, haver terreno mais fértil para os colonizadores europeus replantarem a semente do feudalismo e do escravismo, que infelizmente floresceu e frutificou por muitos anos, resultando numa feia história.
Nos séculos subsequentes, o trabalho libertou-se da escravidão institucionalizada, mas parece que por mais que se tenha lutado revoluções para obtenção de direitos e dignidade ao trabalhador, o estigma nunca passou por um processo efetivo de abolição.
Mesmo com todas as conquistas angariadas a duras penas e com muitos sacrifícios no passado, em plena atualidade ainda pode-se chamar trabalho escravo ou servil quando os direitos conquistados e assegurados pela constituição são negados ao trabalhador, incluso aqui o direito de exercer livremente a profissão para a qual ele tenha se preparado, sujeitando-se a alguma outra por necessidade. A informalidade, por exemplo, é tão servil quanto a servidão daquele trabalhador que se sujeitava a fazer o quer que lhe fosse atribuído fazer, durante o tempo que tivesse que fazer, nas precárias condições que tivesse, em troca de um cesto de pão e meio jarro de cerveja.
O triste cenário de retrocesso onde aqueles que se encontram no poder maquinam para retirar mais e mais direitos de quem trabalha para favorecer determinada classe considerada elite lembra o mesmo maquiavélico esforço dos antigos colonizadores que aqui chegaram desesperados por uma terra onde manter seus privilégios sem se importar que isso significasse desgraça e escravidão das massas.
O mais lamentável é que ainda assim, de cara deslavada e sorriso no rosto, estes mesmos aí virão e nos desejarão em rede nacional um feliz dia do trabalhador!
(*) PYLLA KROTH é considerado dinossauro do Rock de Santa Maria e um ícone local do gênero no qual está há mais de 35anos, desde a Banda Thanos, que foi a primeira do gênero heavy metal na cidade, no início dos anos 80. O grande marco da carreira de Pylla foi sua atuação como vocalista da Banda Fuga, de 1987 a 1996. Atualmente, sua banda é a Pylla C14. Pylla Kroth escreve às quartas feiras no site.
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet.
Kuakuakuakuakuakua! Depois dizem que existe doutrinação nas escolas e alguns ficam brabos, kuakuakuakuakuakua!
Noticia boa e noticia ruim. No futuro ninguém vai precisar trabalhar. No futuro ninguém vai ter onde trabalhar.
Phylla parabéns pela reflexão excelente. Conseguiste dar leveza a um tema tão doído quanto importante. O texto flui coerente, acessível e de fácil compreensão, mostrando o sentido de cada etapa da história
do trabalho e dos trabalhadores, sem esquecer da situação absurda hoje experienciada no nosso país.
Tomei a liberdade de copiar para levar às minhas aulas de filosofia na escola Cilon Rosa.