ComportamentoCrônica

CRÔNICA. Gilvan Ribeiro conta (e reflete sobre) a curiosa situação da gata que sabia onde queria morar

Os gatos são felizes?

Por GILVAN RIBEIRO (*)

Eu sempre fui apaixonado por animais, principalmente gatos. Lembro de uma época na minha infância que eu cheguei a ter 10 bichanos em casa, um de cada cor.

Certo dia, logo que comecei a praticar canoagem, cheguei no Clube Náutico em Santa Maria para treinar e um amigo, que era caseiro no clube, veio falar comigo. Ele me contou que estava indo embora, pois tinha arrumado outro emprego e que não poderia levar consigo o seu animal de estimação. O pet do meu amigo era uma gatinha e na verdade não era mesmo sua, pois quando ele chegou para trabalhar e morar no clube ela já estava por lá. Mesmo assim, preocupado com que o bichano ficasse desamparado até que outro caseiro fosse contratado, me ofereceu levar a gata embora comigo.

Na casa da minha mãe havia dois gatos na época e eu pensei que não teria problema de adotarmos mais um. Mesmo que tivesse, eu daria um jeito de convencer a mãe, já que ela sabia da minha paixão por bichanos. Mas não foi preciso, no mesmo dia eu tratei de levar o animal para casa e dar-lhe um novo lar.

A forma com que eu levei o gato foi algo muito curioso e certamente uma maneira bem particular. Como o Clube Náutico ficava às margens da barragem e a minha casa se localizava próximo à represa, porém na margem oposta, meu irmão e eu usávamos um caiaque duplo para nos locomovermos até os treinos. Já é possível imaginar como nós levamos a nova inquilina da família Ribeiro para casa. Sim, colocamos a gata dentro do caiaque, a empurramos ao fundo para que não saltasse na água e fomos para casa.

Na canoagem, durante os treinos do inverno, nós utilizamos uma espécie de capa impermeável que cobre as pernas e “fecha” o caiaque na altura do coockpit. O nome técnico para isso é “saia”. Para ter mesmo certeza de que a gata não iria saltar do caiaque durante a travessia, colocamos uma saia. Mesmo no trecho por terra, em que carregávamos o caiaque até a nossa casa, o mantivemos fechado para garantir o sucesso da operação.

Chegando em casa, logo fui tratando de mostrar os novos aposentos para a gata remadora, dando a ela também comida e, é claro, bastante carinho. No outro dia de manhã, meu irmão e eu fomos para o clube logo cedo, para treinar. Antes de sair procurei a gatinha para dar tchau e ver como ela estava e, para a minha surpresa,  não mais estava. Sem muito tempo para procurá-la, fui treinar e imaginei que deveria estar escondida em algum canto da casa ou lá no pátio, se aventurando em alguma árvore.

Ao chegar no clube, o meu amigo caseiro veio logo falar comigo e perguntou se eu levaria a gata para casa naquela manhã. Como ele não estava no clube no dia anterior, logo entendi que ele não sabia que eu já havia empreendido o translado, logo, a adoção. Porém, o que ocorrerá não foi exatamente isso. Estranhamente, a gata estava lá no clube, mais precisamente dentro na casa do meu amigo, curtindo um sono tranquila.
Eu já havia escutado histórias de cachorros que caem da mudança e são capazes de retornar para casa, mesmo que tenham de percorrer longas distâncias para isso. Mas pelo que sabia, os gatos não costumam agir da mesma maneira. Ainda mais a gata remadora, que cruzou a barragem dentro de um caiaque. Ela nem sequer viu por onde estava sendo levada. Além disso, para retornar até o clube, teve que cruzar por pelo menos três quilômetros de mata fechada e passar por umas cinco chácaras cheias de cachorros.
Após o desenrolar deste caso verídico, decidimos que não fazia sentido levar a gatinha de volta. Se ela havia se esforçado tanto para voltar, era um sinal da sua natureza nos falando que se sentia melhor vivendo lá. Assim, o meu amigo decidiu que o próximo caseiro deveria adotar a gata e que, na verdade, ela era a ‘’caseira’’ mais fiel do clube.
A mim restou uma história curiosa para contar. Para além disso, aprendi que os animais estão muito mais dispostos a bancar os seus desejos do que nós, humanos. Pode ser mesmo que, caminhar apenas guiado pelos próprios instintos não seja a melhor maneira de levar a vida. Porém, me parece que negar totalmente isso é o que nos condiciona a viver em “casas” as quais não pertencemos. Ou melhor, em sonhos que não são os nossos.

(*) GILVAN RIBEIRO, 30 anos, é atleta olímpico e apaixonado pelo jornalismo (cursa o 8º semestre, na UFN) e pela Psicologia (está no 1º semestre, na UFSM). Ele escreve no site sempre aos sábados.  

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da Internet (br.freepik.com)

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