ARTIGO. Luciana Manica e mudança de critério para disputas envolvendo “trade dress”. Mas, o que é isso?
A prova do crime
Por LUCIANA MANICA GÖSSLING (*)
Como um bom advogado, o cliente chega ao seu escritório necessitando conselhos jurídicos, relata uma história dramática, confessando ter cometido um crime, o causídico de pronto tranquiliza o vivente: “que crime”? O cliente desesperadamente retoma a narrativa e o nobre defensor volta a lhe interromper: “calma lá, estão dizendo por aí que cometeste um crime”.
Essa rasa elucubração traz à tona a máxima que diferentes visões sobre os mesmos fatos são deveras importantes. Em verdade, tem reflexo em diversas searas, seja em relacionamentos entre casais, amigos, familiares, seja em negócios, parcerias, concorrentes de mercado.
Basta imaginarmos um fato relevante, dependendo do “ângulo” que se analise, seria a morte para um, um deslize para outro, um desrespeito aqui, uma traição imperdoável acolá, e a justiça dos homens ou a de Deus, teria que enfrentar o “causo” e solucionar o litígio.
Mas como de crime não entendo nada e no papel de “conciliadora” nem perto chego, bora falar da prova em casos de suposta concorrência desleal, por violação de trade dress (conjunto imagem). O trade dress é a roupagem, como o produto ou serviço se apresenta: envolve cores, posição dos símbolos, estilo de letra, ou ainda, disposição arquitetônica dos móveis/mercadorias nos estabelecimentos, em verdade, é a impressão que deixa e que fica em nossa memória.
Quando não gostamos de algo, registramos a marca em nosso cérebro com uma facilidade tremenda e a divulgamos a todas as “redondezas e quadradezas”, sem papas na língua. Agradeça à sua memória, pois assim você não comprará o molho de tomate que detesta, mesmo que estejam todos na mesma prateleira, nas mesmas embalagens (saquinho estilo “sachê”) e nas cores vermelha, verde e branca, ou seja, com mesmo conjunto visual.
Graças à marca, você saberá qual não levar, mas se você tiver uma memória estilo a minha, certamente irá repetir o mesmo erro, e isso se dá pela semelhança do conjunto imagem dos produtos (trade dress), o verdadeiro responsável pela confusão, e não a ausência de lembrança!! Ufa!
Voltando ao ilícito, quando ocorria uma demanda por suposta violação de conjunto imagem, era comum o juiz analisar sob o olhar do consumidor, afinal, aquele produto ou serviço objeto do processo era destinado para um público específico. Não me refiro ao molho de tomate! Deixemos o molho de lado, por um minuto!
Digamos que empresas estejam questionando judicialmente se há violação no conjunto imagem de um produto de alta tecnologia. O público consumidor desse produto não é o mesmo daquele voltado para roupas masculinas, melhor dizendo, podem ser as mesmas pessoas, mas as empresas de alta tecnologia não competem com sapatos masculinos.
Ou seja, é preciso que o juiz se coloque no lugar dos destinatários dos produtos, sejam eles engenheiros, sejam empresas de um ramo peculiar para analisar se o conjunto imagem de um produto de alta tecnologia viola o conjunto imagem do signo distintivo da outra empresa que também vende o mesmo produto (de alta tecnologia).
Pois essa era a regra aplicada até então. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça alterou tal entendimento, pegando de surpresa os causídicos que deixaram de requisitar a prova pericial para casos como esse. O “homem comum” (em verdade, o estudo sob o olhar a quem o serviço/produto se destina) foi rechaçado. Agora, vale apenas a prova técnica, dando lugar ao olhar biônico para se comprovar se há ou não violação de trade dress.
Aí eu me questiono, será que o perito sabe qual molho de tomate a mulher dele pede para comprar? Em suma, a análise técnica pode não responder à verdadeira escolha feita pelo consumidor.
(*) Luciana Manica Gössling é advogada, Mestre em Direito e especialista em Propriedade Intelectual. Ela atua no Carpena Advogados Associados e seu email é [email protected].
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Hilário é ver a diferença entre o mundo real e o mundo jurídico e perceber que muitos causídicos acham tratar-se da mesma coisa.
Umas figuras em Itajaí fabricavam copias de veículos de luxo e anunciavam nas redes sociais. Ficaram famosos.
https://www.theguardian.com/world/2019/jul/17/police-in-brazil-shut-down-factory-making-fake-ferraris-and-lamborghinis