À presença dos ausentes
Por LUCIANO DO MONTE RIBAS (*)
Quando me sento para escrever, começam os primeiros versos de “Deixando o pago”, de Vitor Ramil. “Alcei a perna no pingo e saí sem rumo certo”, diz a música magistral do mestre pelotense. Contaminado pela poesia, escrevo sem saber onde chegar, um pouco como acho que os humanistas estão se sentindo nessa década maldita.
Mas a música me lembra, acima de tudo, do Leonardo Machado, grande ator e um amigo que eu gostaria de ter tido tempo de fazê-lo mais amigo ainda.
Quando nos deixou, no último ano, o Márcio Papel e o Paulo Nascimento fizeram uma edição de cenas do Léo a partir dessa música e se tornou impossível ouvi-la sem lembrar dele. O homem que deu vida no cinema ao Brizola e que procurou pela cabeça de Gumercindo Saraiva por meio Rio Grande merecia ter tido mais tempo para nos encantar nas telas e na vida.
O Léo não foi o único que partiu cedo demais. Na verdade, não sei se existe a hora certa. Minha vó morreu com 98 anos e não tem como achar que já era a hora dela. A diferença é que a Judith viu dois séculos – um tanto da história recente desse mundo torto e belo, feio e encantador. Alguns e algumas camaradas não conseguiram.
Os nomes de todos e todas fervilham na memória. Meus compadres e irmãos Clayton e Emersom, pedaços de mim e feridas abertas na minha alma. O Ildo, uma das mentes mais perspicazes que conheci. Sérgio Lopes, Isabel Piasentin, Paulo Pozzobom, Marco Genro, Humberto Gabbi Zanatta, Cristina Hart, Adelminho, Sérgio Metz… a lista é longa, uns mais próximos ou mais recentes, outros mais distantes e quase míticos. Todos e todas muito importantes, do seu jeito, no seu tempo, vidas que valeram a pena ser vividas.
“Vem minuano e eu me salvo no aconchego do meu pala”. “Gaudêncio Sete Luas” para lembrar de um tempo onde a música do sul era progressista e exigia um mundo mais justo. “Mas o que foi nunca mais será”. “Desgarrados” para lembrar da melancolia dessa pós-modernidade desagregadora e fluída. “Meu corpo barca perdia”. “Eu e o rio” para afirmar que as águas e as vidas não se repetem. “Quero só um pedaço de terra, um ranchinho de santa fé”. “Pealo de Sangue” para não deixar a esperança morrer completamente.
Perdido entre tantas músicas, eu não queria falar dessa gente estúpida e desprezível que tomou conta do Brasil. Foi uma semana onde essa maldade ignorante revelou todo o seu desprezo pelas pessoas comuns e minha vontade era esquecê-los um pouco. Mas a memória de toda essa gente de valor que não está aqui para cerrar fileiras ao nosso lado talvez tenha me assaltado como um alerta de que desistir não é uma opção. “Um estreito corredor feito esperança”, como diz “Tropa de Osso”, mas um caminho ainda aberto enquanto um de nós estiver aqui, pronto para lembrar, escrever e ir em frente.
“Nós vamos prosseguir, companheiro, medo não há”. “Semeadura”, para reafirmar o compromisso de plantar um novo mundo, dia após dia. Em nosso nome e no de quem foi, ao nosso lado, ventania.
(*) LUCIANO DO MONTE RIBAS é designer gráfico, graduado em Desenho Industrial / Programação Visual e mestre em Artes Visuais, ambos pela UFSM. É um dos coordenadores do Santa Maria Vídeo e Cinema e já exerceu diversas funções, tanto na iniciativa privada quanto na gestão pública. Para segui-lo nas redes sociais: facebook.com/domonteribas – instagram.com/monteribas
OBSERVAÇÃO DO AUTOR: Na foto, Alfrida Judith Simon do Monte, no pátio de sua casa, em Itaara.
Belíssimo texto!
Bonito, chefe.