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CRÔNICA. Orlando Fonseca e a fome no Brasil, uma ‘grande mentira’, segundo o presidente Jair Bolsonaro

Fome de quê?

Por ORLANDO FONSECA (*)

A pior medida governamental para solução de problemas é negá-los. Trata-se de uma falácia muito comum nas administrações públicas, em qualquer instância, desviar-se dos temas complicados, quando confrontados pela imprensa ou pela oposição. Chama-se o tal raciocínio (um tipo de sofisma) “ignorância da questão”.

No entanto, tornou-se comum, em um mundo intoxicado com informações falsas, simplesmente vir a público e desmentir com uma mentira. Está difícil de observar, em nosso país, o desejo expresso pelo então recém-eleito, citando uma passagem dos Evangelhos: Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.

Pois foi com uma negativa solenemente pronunciada, sem um vacilo na voz, contudo, que o Presidente (eleito democraticamente pelo povo brasileiro) respondeu a uma correspondente de jornal estrangeiro. Semana passada, em uma coletiva do tipo “café da manhã” (a primeira) com repórteres internacionais, cada jornalista podia fazer uma única pergunta, sem direito a complementos.

E foi o que fez a correspondente do jornal espanhol El País, sobre o aumento da pobreza e da desnutrição no Brasil. “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não come bem. Aí eu concordo. Agora, passar fome, não”, foi o que respondeu Bolsonaro. E ainda emendou que a fome é um “discurso populista”.

A manchete correu o mundo, sem surpresa para os leitores do resto do planeta, já estarrecidos com as notícias que saem daqui. A tal ponto que, ao final do mesmo dia (sexta passada), em um outro evento, o presidente mudou o discurso, remendando o que dissera antes: “É, alguns passam fome”.

Certamente, alertado pelos assessores que conhecem os dados do IBGE e o mapa da fome mantido pela FAO (organização da ONU para a Agricultura e Alimentação). O país deixou os que abrigam os maiores índices nesse quesito, no entanto, estima que um grupo em torno de 5,2 milhões de brasileiros ainda sofre por se alimentar com menos do que o recomendado.

Talvez os dados do Presidente sejam apenas as fotos, pois ele mesmo afirmou que “”Você não vê gente, mesmo pobre, pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países pelo mundo”. Se tivesse tomado o cuidado de prestar atenção aos relatórios oficiais, saberia que aumentou o número dos que, mesmo sem o físico esquelético, estão cada vez mais pobres.

Segundo o IBGE, entre 2016 e 2017 a pobreza no Brasil passou de 25,7% para 26,5%. O número de extremamente pobres (aqueles que vivem com menos de 140 reais mensais) saltou de 6,6%, em 2016, para 7,4%, em 2017.

Mas pode ser que as coisas mudem de figura, nos próximos anos. Assim como as falácias são usadas por administradores para justificar desmandos, matar o mensageiro, ou no caso, massacrar os dados é uma forma antiga de esconder os descuidos.

O governo já anunciou mudanças no Censo 2020 do IBGE, executando um corte orçamentário, com a desculpa de economia. E ainda tem exclusão de quesitos a serem pesquisados: o quesito sobre migração, o relativo ao valor do aluguel de domicílios; quanto ao trabalho e a renda, deixa-se de perguntar, caso a pessoa tenha ocupação, se ela tem outros trabalhos além do principal.

Além disso, foram retiradas as questões sobre os bens que o domicílio possui, como geladeira, automóvel e motocicleta. Essa decisão poderá ser muito danosa ao país, mas vai ser útil para dizer que as coisas estão melhorando.

Você tem fome de quê? – era o que perguntava a letra de uma canção dos Titãs. O certo é que um pouco de fome é preciso. A frase que se deveria ouvir é “Você não vê gente, mesmo pobre, batendo panela, com a barriga vazia”. Para isso lembro a máxima dos evangelhos: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.” O nosso regime, nos últimos anos, tem sido de produtos bem light neste quesito.

(*) ORLANDO FONSECA é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

OBSERVAÇÃO: a imagem que ilustra esta crônica é uma montagem sobre fotos (de internet), sendo que a do Presidente é da entrevista em que ele disse não haver fome no Brasil. E a outra é óbvia.

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