A potência de Alexandra
Por BIANCA ZASSO (*)
Não existe crítica imparcial. Mesmo que quem escreve leve em conta os mais variados aspectos técnicos e sociais de um filme, sempre há um pouco do crítico (a) em cada texto. O convite para escrever sobre Alexandra, documentário em curta-metragem do diretor santa-mariense Luiz Alberto Cassol, lançado na noite de terça na Cinemateca Paulo Amorim, na Casa de Cultura Mario Quintana, me causou um frio na barriga como a muito tempo não sentia. Isso porque a jornalista e empresária Alexandra Zanela, figura central do filme, é minha amiga e tem um peso enorme na minha vida, não só como comunicadora, mas como mulher. Tive medo que essa energia que nos une fosse atrapalhar meu trabalho de escrita. Mais uma vez nesta vida, eu estava enganada.
Alexandra consiste em duas câmeras e uma mulher. Talvez seja a sinopse mais oportuna, já que saber mais do que isso pode atrapalhar a experiência. A montagem precisa de Daniela Fonseca passeia pelo corpo inquieto de Alexandra, dando ritmo à narrativa. Mesmo que as falas pareçam frases soltas, elas formam uma história. A história da Alexandra. A minha história. A sua também. A cada fala de impacto, a tela escurece e a trilha bate no nosso peito. Mais que uma estratégia de edição, é uma afronta. A sala de cinema escura, sem o brilho das imagens em movimento, nos deixa sem saída. Somos obrigados a pensar sobre o que acabamos de ouvir. E isso dói. Em diferentes níveis.
Sororidade, trabalho, assédio, prazer, maternidade. Os 15 minutos de duração de Alexandra têm tudo isso e parece ter muito mais. Estamos diante de uma história única e, por isso mesmo,universal. As experiências da Alexandra são só dela, mas nos perpassam. Algo como se ela estivesse presente em nossas lembranças que se assemelham as suas.
Alexandra é sobre coragem, acima de tudo. Num momento como o que vivemos agora, onde verbos como matar, cortar e excluir são usados numa frequência absurda e bloqueiam a felicidade e a liberdade de tantas pessoas, assumir o primeiro orgasmo e o medo intermitente que a rua (e até a própria família) provoca nas mulheres, é mais corajoso que atacar o inimigo de mãos limpas. E Alexandra ataca os caretas e os covardes, nossos maiores oponentes nesses tempos.
Alexandra fará o circuito de festivais (acaba de ser selecionado para o Festival de Três Passos), mas acredito que, mais que troféus, ele deve trazer pessoas para Alexandra, a pessoa. Deveria ser exibido em escolas, sindicatos, praças, clubes, onde for possível. A sala de exibição lotada no dia do lançamento era composta, em sua maioria, por pessoas que podem ter Alexandra por perto. Só que isso é muito pouco. Cassol se deu conta disso e fez um filme, uma ferramenta sem precedentes para mudar vidas, por mais que existam seres que acham que não passam de imagens registradas por um bando de de pessoas arruaceiros e que não querem nada com trabalho. Há cabeças como essas por aí. Alguns leitores deste texto, infelizmente, são donos de algumas delas. Contra elas e toda e qualquer forma de censura e ódio, Alexandra é o elixir.
A vida da minha amiga que virou filme nunca mais será a mesma e eu agradeço por isso. O mundo precisa conhecer a sua potência. A mesma que balança meus dias e me torna uma mulher mais livre a cada amanhecer, por mais cinzento que ele pareça.
(*) BIANCA ZASSO, nascida em 1987, em Santa Maria, é jornalista e especialista em cinema pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Cinéfila desde a infância, começou a atuar na pesquisa em 2009. Suas opiniões e críticas exclusivas estão disponíveis às quintas-feiras.
‘Não existe critica imparcial’ é uma bela desculpa. A origem é a impossibilidade de uma pessoa abandonar totalmente todos os preconceitos, a própria visão de mundo, o inconsciente, ou seja, todos os fatores que impedem uma avaliação objetiva. Não significa que alguém, sabendo das limitações, não possa tentar chegar perto do ideal. Difere completamente de mandar a imparcialidade às favas.
Um comediante americano David Chappelle fez um especial para o Netflix. Politicamente incorreto. No Rotten Tomatoes conseguiu 0% dos críticos. Pela audiência conseguiu (até outro dia) 99%. Não é só aqui que existe polarização.
Caso da coluna tem explicação, mas não tem muita importância. Audiovisual de nicho.
Séculos atrás, no programa Café TVCOM, a jornalista Cláudia Laitano falou algo como ‘mesmo quando uma peça de teatro é ruim a gente não pega pesado porque o objetivo é levar mais gente para o teatro’.