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Patriotas – por Orlando Fonseca

Já houve um tempo em que na minha cabeça não havia dúvida quanto às efemérides do mês de setembro. Na primeira semana, tínhamos o feriado dedicado à celebração da Pátria – esta também não trazia dúvida à minha mente juvenil. Na terceira semana que costumava se estender um pouco mais, atraída pelo fervor patriótico da primeira, um tempo para a celebração do Dia do Gaúcho – o qual, naquele tempo, não comportava questionamentos, bastava eu olhar, ou lembrar, da estampa de meu avô. Entretanto, com o passar dos anos, com as mudanças havidas em meus conhecimentos sobre história e sociologia, somadas a transformações sociais no país, os conceitos foram sofrendo ressignificações radicais.

Então, o certo é que entramos, mais uma vez, na semana dedicada à Pátria brasileira. Se em anos anteriores me somava ao coro dos que se perguntavam sobre “que país é este”, depois dos atos terroristas de 8 de janeiro, o conceito de “pátria” precisa passar por uma série de filtragens discursivas para que me sinta menos desconfortável com as alegorias e celebrações pelas ruas e praças do Brasil. De ora em diante, o 7 de setembro tem o seu contraponto no 8 de janeiro (o dia da infâmia, o dia da intentona fascista). Aquela data já foi relativizada com os estudos históricos, tanto com relação ao significado que lhe deu motivo, em 1822, quanto aos desdobramentos em fatos que, talvez, dimensionassem com maior vigor o sentido de “independência” que a data faz referência. Do mesmo modo, por tudo o que, como povo, temos vivido desde meados da década de 60, do século passado, precisamos nos perguntar o que queremos dizer quando anunciamos “pátria”. Soma-se a isso, desde o processo eleitoral de 2018, o fato de as cores e os símbolos daquilo que, como estudantes, nos levou aos desfiles e aos frêmitos patrióticos, foram apropriados por um grupo dos que se dizem os “verdadeiros” patriotas. E não será fácil – ao menos para a minha percepção – se livrar dos conceitos que foram agregados aos símbolos do hino nacional e ao verde-amarelo da bandeira por esta gente.

Aqui no Rio Grande do Sul, o conceito de pátria também se confunde com as tradições, ao telurismo, à história de ocupação do território e a formação de nosso povo em seus hábitos e costumes. Não por coincidência, também, semana passada – às vésperas destas duas efemérides – nosso Estado foi notícia em todo país por uma façanha que nada nos orgulha, nem servem de modelo à toda Terra. Falo da proposição, em Porto Alegre, da celebração do 8 de janeiro como o Dia do Patriota. Como já mencionei, conceito que ganhou força nas manifestações das jornadas de junho de 2013 – e impeachment da presidenta – e a favor do governo que se elegeu em 2018. A repercussão negativa foi de tal monta que até mesmo o STF foi chamado a opinar e intervir sobre o tema. Bom momento para se repensar, por aqui, sobre o que entendemos por pátria e o que de patriotismo há em certas práticas.

Diz o Hino Rio-grandense, “foi o 20 de setembro o precursor da liberdade”. Nos últimos anos, um trecho do refrão vem sendo contestado: “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. Afora a conotação racista, basta que se consulte a história da humanidade para se saber que nunca foi por falta de virtude que um povo foi feito escravo. Desde os tempos dos Grandes Impérios, com invasão de territórios, até o período colonial na Idade Moderna, os povos são submetidos porque lhes falta poder bélico, força militar e armas, diante da invasão e da sanha imperialista ou colonizadora de outros povos. Colonizadores, sim, sem virtude alguma, pois fazem outros escravos para se apropriarem de suas terras, e expropriá-los de seus bens materiais e culturais. Algo ainda visto recentemente em nosso Estado, com vinícolas fazendo uso do trabalho análogo ao da escravidão. A aurora precursora está com a luz bem fraca. Justamente quando precisamos de raios iluministas, para que se pense a nação como um lugar de todos, com igualdade, fraternidade e justiça. O resto é retórica antidemocrática, o que pra mim significa antipatriotas e não me representam.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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2 Comentários

  1. Vermelhos se definem na negação. Vermelhos têm ‘superioridade moral’ auto-atribuida. Vermelhos se acham ‘policia moral da humanidade’. Vermelhos se acham ‘exemplo’. Alguns vermelhos precisam do ‘coletivo’ para suportar a solidão da propria negatividade. Leitura do texto um tremendo desperdício de tempo. Nada novo ou original, grande ‘espanto’. Mera repetição para reassegurar a propria bolha.

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